E agora, é PCC ou PPRO? Será que isto realmente mudou na nova versão da Norma ISO 22000:2018?

Em 2005 vivemos a primeira batalha do PPRO (programa de pré-requisito operacional). Na época as discussões acaloradas se davam em função de entender se uma medida de controle se classificaria como um mero PPR (Programa de Pré-requisito) ou como um PPRO (Programa de pré-requisito operacional). Claro, era uma novidade, e precisava ser melhor entendida. Nada tinha a ver com mudança de método ou até mesmo de árvore decisória, em sua essência, mas tão somente com a profundidade do monitoramento de um programa de pré-requisito.

Quando pensávamos que a guerra já havia sido encerrada, eis que surge uma nova batalha: PCC ou PPRO? E por que tamanha dúvida pode ter surgido? A principal hipótese: o surgimento da palavra observação dentro da definição proposta pela nova versão da ISO 22000 como sendo um dos vocábulos de diferenciação entre as definições de PPRO e PCC.

Então vamos limpar a área começando pelas definições da versão de 2005 e de 2018, criando linhas de raciocínio e análises críticas.

ABNT NBR ISO 22000:2006ABNT NBR ISO 22000:2019
PCC: etapa na qual o controle pode ser aplicado e é essencial para prevenir ou eliminar um perigo à segurança de alimentos (3.3) ou reduzi-lo a um nível aceitável.PCC: etapa no processo em que a(s) medida(s) de controle é(são) aplicada(s) para evitar ou reduzir um perigo significativo à segurança de alimentos para um nível aceitável e definir limites críticos e medição que permitam a aplicação de correções.

Efetuando uma análise da definição de PCC (ponto crítico de controle) temos os seguintes pontos em comum:

  1. Continua e não tem como mudar: é uma etapa de processo;
  2. O perigo deve ser evitado (antes denominado prevenido) ou reduzido a um nível aceitável.

Observamos que foi retirado termo “eliminar um perigo”, pois tecnicamente, é mais correto dizer reduzido, uma vez que não se pode dizer que o perigo, quando existente no produto, é conduzido na direção do zero, mas de seu nível aceitável (exemplo: resultados microbiológicos onde o suposto “zero” é um número aceitável ou relativo a um determinado tamanho amostral; Salmonella sp: ausência em 25g). Esta menção, inclusive, abre precedentes para se repensar a questão de alergênicos e seus níveis aceitáveis, conforme indicam os estudos científicos em vários países (aos interessados pesquisar NOAEL e LOAEL). Obviamente, os testes realizados para os alérgicos precisam ter a sensibilidade suficiente para atender níveis aceitáveis estabelecidos.

Por outro lado, novos termos foram indicados nesta definição de PCC:

  1. Perigo significativo: perigo à segurança de alimentos, identificado pela análise de perigos, que necessita ser controlado por medidas de controle (ABNT NBR ISO 22000:2019; página 9).
    • perigo à segurança de alimentos: agente biológico, químico ou físico no alimento, com potencial de causar um efeito adverso à saúde.
    • medida de controle: ação ou atividade que é essencial para prevenir um significante perigo à segurança de alimentos ou reduzi-lo a um nível aceitável.

O termo “perigo” não é para ser confundido com o termo “risco” (3.39), que, no contexto de segurança de alimentos, significa uma função da probabilidade de ocorrência de um efeito adverso à saúde (por exemplo, ficar doente) e a severidade deste efeito (morte, hospitalização), quando há exposição a um perigo específico. (ABNT NBR ISO 22000:2006, página 7 e ABNT NBR ISO 22000:2019, página 6).

Analisando a definição estabelecida para PPRO (Programa de pré-requisito operacional) é possível verificar que entre as versões de 2005 e 2018 a forma de escrever a definição foi claramente alterada para melhor compreensão. Isto não significa que o conceito implícito tenha sido modificado, pois implicaria dizer que anteriormente os Planos APPCC não atendiam aos critérios mínimos de segurança dos alimentos.

ABNT NBR ISO 22000:2006ABNT NBR ISO 22000:2019
PPRO: PPR identificado pela análise de perigos como essencial para controlar a probabilidade da introdução, contaminação ou proliferação de perigos à segurança de alimentos no(s) produto(s) ou no ambiente de processo.PPRO: medida de controle ou combinação de medidas de controle aplicadas para prevenir ou reduzir um perigo significativo para a segurança de alimentos a um nível aceitável e onde o critério de ação e medição ou observação possibilitem o controle efetivo do processo e/ou produto.

Pontos importantes para avaliação e leitura das definições de PPRO descritas:

  1. Ambas as definições estão relacionadas aos Programas de pré-requisitos. Programas de pré-requisitos não são e nem podem ser confundidos com etapas de processo. Os programas de pré-requisitos ou Boas Práticas de (fabricação, ou de manipulação, ou agrícolas…), conforme identificado pela própria terminologia, são estabelecidos de antemão. Logo, um PPRO está contido dentro do Programa de pré-requisitos.
  2. Na definição de 2019 foi acrescentado o termo critério de ação que indica, através de especificações mensuráveis ou observáveis, se um PPRO está ou permanece sob controle.

Se as alterações e complementações da nova versão da Norma ISO 22000 não afetam o conceito de Plano APPCC, segundo os princípios do CODEX ALIMENTARIUS (conforme pode ser identificado no Anexo A da Norma ABNT NBR ISO 22000:2019 – Tabela A1) , por que tem existido interpretações para a reclassificação de medidas de controle no que tange PCC e PPRO? Simplesmente porque é comum, quando se tem uma reformulação de definições para maior esclarecimento de uma norma, que os novos termos utilizados sejam igualmente esclarecidos para se evitar entendimentos que não estejam pautados sob o ponto de vista técnico. Na direção de esclarecimentos de conceitos, por exemplo, a nova versão da ISO 22000 traz um aprofundamento cirúrgico sobre a importância do controle dos perigos na sua forma de abordar as medidas de controle, a mensuração dos monitoramentos, abordagem de riscos sobre estes monitoramentos, níveis aceitáveis dos perigos no produto final, critérios para a correção e ação corretiva no caso de desvios e as verificações relacionadas ao Plano de controle de perigos.

Então, quais são os termos ou pontos que podem trazer confusão na reclassificação de medidas de controle, levando, à interpretação de algo que antes era um PCC a se tornar um PPRO na nova versão da ISO 22000? Para responder esta questão, dois pontos devem ser bem esclarecidos:

  1. Ponto crítico de controle (PCC) está sempre relacionado a etapa de processo e PPRO está sempre relacionado a um Programa de Boas Práticas que pode, dependendo do caso, dar suporte ao processo de fabricação, mas existem anteriormente a qualquer processo de produção específico. Logo, etapa de processo estabelecida como ponto de medida de controle de um perigo não pode ser classificada como um PPRO. Etapas de produção são requisitos de um processo.
  2. O significado do termo observação contido dentro da definição de PPRO. Este ponto exige uma explicação mais profunda sobre as interpretações que foram trazidas a público.

O termo observação, margens de interpretação e o exemplo das inspeções visuais de filtros e peneiras

O caso clássico da reclassificação de medidas de controle que transforma um PCC em PPRO pode ser visto em relação ao controle de etapas de filtração ou de peneiramento onde são realizadas inspeções visuais. Onde está a confusão? Em dois pontos.

O primeiro ponto é a “desqualificação” da observação como um processo de medição. O que deve ser entendido é que a observação não é um método adequado para o monitoramento de um PCC. Vamos entender o que é uma observação.

A observação consiste no exame de processo ou procedimento executado por outros, por isso pode ser válida, por exemplo, em um processo de auditoria, mas não para mensuração do monitoramento de um PCC. Em uma auditoria ou para algumas situações de controle de Programas de Pré-requisitos a observação fornece evidência a respeito da execução de processo ou procedimento, mas é limitada ao ponto no tempo em que a observação ocorre e pelo fato de que o ato de ser observado pode afetar a maneira como o processo ou procedimento é executado.

O segundo ponto está em relação à diferença entre inspeção e observação. O que é inspeção?

A inspeção diz respeito ao exame direto de registros ou documentos, em forma de papel, em forma eletrônica ou em outras mídias, ou o exame físico de um ativo (por exemplo, peças, equipamentos entre outros), onde são identificados critérios mensuráveis de conformidade frente a um padrão. Transpondo para um exemplo fora da área de alimentos, porém, mais ilustrativo, o DETRAN faz Inspeção Veicular e não Observação Veicular para liberar[1] o seu carro. Ou temos um Organismo de Inspeção Federal e não Observação Federal.

Ainda é importante complementar toda esta explicação com o a definição de medição: processo para determinar um valor (ABNT NBR ISO 22000:2019, página 7).

Assim, pode-se verificar que foram acrescentados itens, esclarecidas e melhoradas as definições e critérios associados aos requisitos na nova versão da Norma ISO 22000, entretanto, os aspectos conceituais associados ao Plano de Controle de Perigos não foram e nem poderiam ser tecnicamente afetados, uma vez que ainda são baseados nos 7 princípios do CODEX ALIMENTARIUS. Podemos até, em outra perspectiva de análise, identificar a tendência de descolamento com os padrões do CODEX ALIMENTARIUS, porém isto é assunto para um outro texto.

[1]  A liberação neste caso poderia ser o equivalente à monitorização de um PCC. Monitorização: Inspeção da ausência de insulfilm no vidro frontal. Limite crítico: 100% de carros liberados sem insulfilm no vidro frontal.

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Psicólogo organizacional e consultor especialista na área de gestão, inteligência e cultura de segurança dos alimentos. Palestrante, treinador, coaching para liderança e desenvolvimento de equipes de alto desempenho. Autor do livro de bordo o “Passo além da competição” e coautor dos livros SER+ em Gestão de Pessoas e SER+ com Qualidade Total. Diretor Geral da Liner Consultoria www.linerconsultoria.com.br

5 thoughts on “E agora, é PCC ou PPRO? Será que isto realmente mudou na nova versão da Norma ISO 22000:2018?

    1. Bom dia André! Meu nome é Marcus e sou o autor do texto. Sua pergunta retornou para mim apenas 1,5 ano após sua execução, logo acredito que você tenha uma resposta consolidada.
      Todavia, eu lhe diria que, se você possui a Norma FSSC 22000 implementada, por precaução à manutenção do seu SGSA certificado seja mais simples tratar a medida de controle assegurar a integridade do elemento filtrante como PPRO, caso esta integridade seja realizada por observação.
      Apenas para não ficar confuso o conceito, desvincule a medida de controle da etapa de filtração e considere alguma cláusula do seu Programa de pré-requisito, por exemplo, Manutenção preventiva.

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