Coronavírus: Orientações para Açougues e Casas de Carnes

A alimentação traz em si enorme carga cultural que define diversas formas e hábitos de comercialização e preparo. Alguns produtos possuem uma influência maior e, ao mesmo tempo, rotina de produção mais rústica por sua característica, necessidade de mão de obra qualificada e alta disponibilidade pois se tratam de produtos de alta perecibilidade e consumo na dieta do brasileiro. É o caso dos açougues e casas de carnes, estabelecimentos de extrema importância no cotidiano e muitas vezes esquecidos. 

Pensando nisso, publicamos hoje esse artigo escrito pela Andréa Mesquita, CEO do Território da Carne, em que tive o prazer de colaborar, trazendo dicas para ajudar esses estabelecimentos a superar esse momento não só sobrevivendo, mas se fortalecendo e diferenciando para o mundo pós COVID-19. A crise irá passar, mas nós temos que continuar mais fortes, sustentáveis e produtivos.

Agilidade na tomada de ações fará a diferença para o setor, que está entre os únicos que permanecerão com suas atividades durante a quarentena.

Observando a evolução dos casos de COVID-19 pelo globo terrestre e, após procurar e encontrar escassas referências sobre como o mercado da carne deveria se comportar, me vejo na responsabilidade de escrever algumas linhas com o objetivo de auxiliar o varejo de carnes brasileiro a passar por este momento de forma estratégica, inteligente e que inclusive, possa te fazer crescer em meio ao cenário nada favorável.

Considerando que somente hospitais, farmácias e varejo de alimentos ficarão abertos durante os próximos dias, as ações abaixo direcionam, porém não limitam, as estratégias que podem ser tomadas pelo varejista de carnes.

Recomendo que leia atentamente e implante aquelas que fizerem mais sentido, considerando sua região geográfica, suas condições financeiras, o número de funcionários, a exigência de seus clientes, bem como, sua estrutura física e orientações dos órgãos competentes

1.   Ligue para seu fornecedor de matéria prima: pergunte como está a previsão para a produção para os próximos dias. Se existe alguma pretensão de interrupção das atividades, como estão prevendo o movimento fabril e as entregas e procure fazer negociações justas que beneficiem os dois lados, considerando um cenário pouco previsível para os próximos dias. Se for necessário desenvolver novos fornecedores, lembre-se que agora espera-se um aumento na inadimplência. Será necessário cautela nas negociações e, muitas vezes, pagamento antecipado. Controle seu fluxo de caixa, considerando o cenário mais pessimista.

2.  Aposte na transparência para aumentar engajamento: Reúna seus colaboradores e converse sobre o que está acontecendo de maneira transparente. Muitas pessoas estão negligenciando os cuidados a fim de se mostrarem “fortes” em meio a tudo isso. Mostre dados e evidências, sem trazer o pânico ao time. Mostre a importância deles como agentes de saúde pública tanto quanto médicos, enfermeiros, entre outros, que neste momento optaram por servir ao próximo em prol do bem comum. Seja prático e traga o passo a passo do que devem e o que não devem fazer dentro e fora do ambiente de trabalho, como:

a.     Transporte público: Evite, se possivel. Se for imprescindível, oriente que evitem o contato das mãos nas vias aéreas e boca até chegar a um local para higienizá-las;

b.     Vestiários: Caso não haja, providencie um local para ser utilizado como vestiário e, se possível solicite que os colaboradores tomem banho antes de entrar no ambiente de trabalho, coloquem suas roupas (que são fômites de contaminação) em uma sacola plástica fora da área de manipulação;

c.     Higienização da infraestrutura: aproveite os momentos de baixo movimento intensificar na limpeza. Elimine materiais quebrados e imprestáveis, entulhos e faça manutenções que não envolvam custos altos. Isso também ajuda no combate ao COVID-19, outras doenças e ainda dá uma aparência melhor para o cliente.

d.     Higienização de mãos: Mantenha pia com sabonete e álcool em gel disponível para colaboradores e clientes, com acesso ilimitado;

*Relembre que o álcool em gel não faz o mesmo efeito em superfícies gordurosas. Ou seja, não adianta encher a mão suja de álcool em gel, sem antes lavá-las adequadamente, conforme BPF.

e.     Utensílios: Aumente a frequência de higienização dos utensílios e área de manipulação;

f.     Máscaras e luvas*: Não se recomenda o uso de máscaras e luvas de manipulação dentro das áreas produtivas considerando que tal prática só seria eficiente se a troca acontecesse numa alta frequência, ou seja, é mais eficiente que seja seguida a etiqueta respiratória e de manipulação, do que ferramentas paliativas como estas.

*A Direção-Geral da Saúde não recomenda a utilização de máscara para proteção individual por pessoas sem sintomas (assintomáticas).
A utilização correta de máscaras é somente recomendada para:

Pessoas doentes;
Suspeitos de infeção por COVID-19;
Profissionais que prestem cuidados a doentes suspeitos de infeção por COVID-19.

3.   Fique atento aos sintomas: Quanto aos sintomas, peça para que os colaboradores com algum tipo de sintoma de gripe, como febre, mialgia fiquem em casa e observe a evolução; em caso de dificuldade para respirar, procurar auxílio médico. Recomenda-se que colaboradores com mais de 60 anos que apresentem alguma comorbidade sejam afastados durante a quarentena.

4.  Elimine bebedouros: Bebedouros são locais de alta concentração de pessoas, em que o vírus pode ficar alojado e depois se disseminar. Segundo referências, o vírus pode persistir até 5 dias em superfícies metálicas. Distribua uma garrafa por colaborador, nomeie e solicite que higienize durante o turno de trabalho. Caso esta medida não seja possível, principalmente em ambientes de manipulação, reforce a higienização dos bebedouros e mantenha álcool 70% ao lado de cada ponto de água. Os colaboradores devem ser ensinados a higienizar os pontos de contato de bebedouros (locais de acionamento e coleta da água) antes de beber.

5.  Distribua mais os horários de almoço: Um dos momentos de maior aglomeração e de contato com pessoas de diferentes áreas é a hora do almoço. Monte um plano e distribua mais o horário de almoço, reduzindo o acúmulo de pessoas no refeitório e o trânsito de pessoal na empresa. 

6.  Estimule civilidade: Independentemente de impactar no seu faturamento, estimule seus clientes a não comprarem em demasia por uma questão de civilidade, muitos podem precisar da proteína e não terão condição financeira para comprar em quantidade excessiva, podendo ficar sem. Use a criatividade e implante programa de vantagens, compra por cotas, onde o cliente deixa pago a cota do mês em um valor mais competitivo e retira ou recebe em casa uma quantia fixa semanalmente. 

7.  Facilite o acondicionamento: Entendendo que o período de quarentena envolve paralização de escolas e faculdades, home office dos pais e afastamento das funcionárias domésticas, a facilidade de acondicionamento, preparo e consumo serão um diferencial. Ex: procure fazer pacotes individuais, pacotes tamanho família, combos para casal, pacotes kids, entre outros, de forma a ajudar seus clientes na tomada de decisão do que comprar. Quanto mais transparência e agilidade houver na hora da compra, menos será a exposição ao vírus.

 8.  Inclua produtos prontos e semi-prontos no portfólio*: Na linha de entender que os clientes precisarão assimilar uma série de outras mudanças na rotina devido ao coronavírus, o estabelecimento que conseguir embalar produtos que só necessitem de aquecimento ou finalização em casa, serão um diferencial. Lembre-se: hora de entregar valor e não só produto. 

*Consulte sua autorização legal para ver o que é possível oferecer de produtos.

9.  Estimule boas práticas do cliente: Mesmo que distribua pias e álcool em gel pela loja, distribua avisos para que os clientes não toquem nas superfícies de expositores e maçanetas e disponibilize um colaborador para desempenhar esta função, de forma que o contato desnecessário seja minimizado. Oriente o cliente quanto à etiqueta em loja para priorizar agilidade e facilitar o fluxo dos demais, como por exemplo, manter distância dos clientes, não tocar nos objetos e/ou apoiar no balcão, ficar o menor tempo possível na área do estabelecimento.

10.  Cheque as embalagens: Prefira embalagens que possam ser desinfetadas ao chegar na casa do cliente, como sacos a vácuo. Neste caso, o melhor cenário é substituir as bandejas de isopor, caixas de papelão e outros.

11.  Turbine o empório: Mercados pequenos e médios serão mais procurados pela população devido a menor exposição e risco de contágio. Os supermercados, padarias e farmácias serão os estabelecimentos mais procurados nas próximas semanas. Procure agregar produtos básicos como grãos, ovos, legumes e frutas – de acordo com sua autorização de venda, para facilitar a vida do cliente e poupá-lo de exposição excessiva. Cuidado com excesso de estoque.

12.  Controle as filas: Coloque marcações no chão, inclusive de forma lúdica, com fotos de carnes ou nomes de cortes, a cada 1,5m de distância entre os clientes e oriente para que aguardem para ser atendidos.

13.  Atente-se aos pagamentos: Dar preferência a pagamentos com cartão de crédito/débito ou aproximação do celular; evitar pagamentos em dinheiro que pode facilitar a transmissão. Não pegar no cartão do cliente, solicitar que o mesmo insira na máquina; com álcool 70%, higienizar o teclado onde é digitada a senha a cada cliente.

14.  Implante vendas online / via Whatsapp: O delivery será uma excelente opção. No entanto, nem todos estão preparados para utilizar este canal de vendas. Atente-se ao seu processo de vendas, cobrança, manipulação, seu sistema de embalagem e entregadores. Ao optar por aplicativos de entrega de comida (Ifood, Rappi, por exemplo), considerem a cobrança da taxa de serviço, que pode chegar a 27%, representando uma ruptura em seu faturamento. Nestas horas, um cauteloso cálculo precisa ser feito para definir agregar este custo no produto ou incluir na taxa de entrega. 

*Alguns aplicativos nos EUA estão eliminando a cobrança das taxas para a terceira idade e outros grupos de riscos. Fica como sugestão seguir este bom exemplo e promover a gratuidade do frete para o grupo que deve se proteger com mais intensidade.

15.  Organize o delivery e treine os entregadores: Muitas pessoas estão recorrendo aos serviços de entrega, mas vale lembrar que o delivery convencional não garante eliminação do risco de contaminação pelo Coronavírus. Além de todas as boas práticas de manipulação que o estabelecimento já deve ter, um intensivo treinamento aos entregadores deve ser ministrado, mesmo que através de cartilhas lúdicas, orientando que a cada entrega, alguns cuidados são necessários:

a.     O box onde os produtos forem colocados devera ser periodicamente higienizado e desinfetado. *Priorize boxes de material facilmente higienizável;

b.     Ao retirar das costas, o box não teve ser colocado em nenhuma superfície que não seja a motocicleta da entrega (evitar colocar no chão, no balcão do prédio, entre outros);

c.     As mãos do entregador deverão estar sempre limpas e luvas devem ser evitadas, já que estas mascaram as contaminações e reduzem a frequência de lavagem;

d.     No ato da entrega, as mãos do entregador não devem tocar nas mãos do cliente / porteiro. Se possível, colocar em uma área de entrega e jamais entrar na residência / escritório que fizer o pedido. Muitas pessoas sintomáticas e assintomáticas estão em quarentena, fazendo os pedidos de alimentos em casa e o contágio pode acontecer neste momento;

e.     Durante a entrega, evite a fala. Se for imprescindível, ficar a pelo menos 1,5m do receptor;

16.   Inove com Drive Thru: Já tinha visto este sistema em um açougue em Montevideo, mas confesso que no Brasil ainda não. No entanto, uma alternativa ao combate do coronavírus é avisar a todos os clientes que eles podem fazer o pedido por telefone, agendar horário de retirada e dados do veículo e suas compras poderão ser feitas de forma mais ágil e com menor exposição ao vírus.

17.   Nem pense em deixar a gestão de lado: Será normal se deparar com uma retração do consumo, considerando que não se sabe como será a situação do globo nas próximas semanas. Ao invés de ficar se lamentando pela possível queda do faturamento, outras ações de gestão podem auxiliar a manter a margem positiva:

a.     Eliminar custos desnecessários. Sempre há o que cortar, investigue e peça ajuda do seu time nessa missão. *Perder menos é tão importante quanto ganhar mais. 

b.     Rever projetos e investimentos que podem ser adiados;

c.     Cancelar ou adiar para o segundo semestre eventos agendados;

d.     Reduzir momentaneamente os salários dos sócios;

e.     Planejar as ações de marketing digital com cautela. Não aposte todos os recursos nisso e acredite também no tráfego orgânico. Seus clientes precisam de você agora e eles vão te valorizar.

f.      Renegociar com fornecedores compras e prazos de pagamentos. Porém honre seus compromissos e lembre-se que, assim como você, ele também está passando por isso;

g.     Tentar linhas de créditos mais baratas. Muitos bancos estão flexibilizando as linhas e facilitando o pagamento, a taxas bastante reduzidas. Agora é hora de verificar as possibilidades;

h.     Recalcular suas margens e tenha a certeza de que todos os seus custos estão previstos na precificação dos seus produtos. Analise quais produtos e serviços representam maior retorno e melhor margem e, até a situação melhorar, deixe de lado os produtos de margem mais baixa;

i.      Optar por manter/incluir proteínas de preço inferior nas gôndolas, à disposição do seu cliente, já que a busca por produtos com melhor relação custo x benefício vai aumentar.

j.      Conversar com colaboradores e ser totalmente transparente sobre a situação, sempre com calma e sem causar pânico;

k.     Não contratar e evitar demitir pra não gerar encargos;

l.      Para o setor administrativo, proponha o home office;

m.   Transformar reuniões presenciais em videoconferências online;

n.     Prorrogar viagens dos líderes e colaboradores. Proibir deslocamentos interestaduais e internacionais até segunda ordem. Quanto menor o trânsito, maior o controle do contágio.

o.     Tenha calma e paciência pra agir de maneira prudente e assertiva; a crise é um excelente momento pra inovação simples.

Dica extra para os frigoríficos e áreas de manipulação: 

O clima frio das salas de manipulação, associado à alta umidade e proximidade entre os operadores facilita o contágio do coronavírus. A recomendação é que o espaço entre os operadores seja aumentado para 2 metros e, ao menor sinal de sintoma de gripe, este colaborador buscar auxílio médico da unidade e se manter afastado, sempre seguindo etiqueta respiratória, conforme recomendado pelos órgãos.

Dica para quem atende restaurantes:

A situação é mais complicada para o food service por razões óbvias da quarentena. Caso alguns de seus clientes reduzam as compras, procure ser compreensivo e direcione estes produtos ao varejo, já que este estará mais aquecido nas próximas semanas.

 

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O público alvo esperado  inclui: professores, alunos de graduação e de pós-graduação, técnicos, produtores de gado de corte, profissionais do campo, indústria, varejo, gastronomia e churrasco – consultores, representantes comerciais, responsáveis técnicos, nutricionistas, entusiastas e outros personagens da cadeia da carne bovina.

O principal objetivo dos organizadores é promover a conexão entre as atividades da produção animal, da indústria frigorífica, do varejo, dos restaurantes e do consumidor, de forma a promover o melhor resultado para o produto final: a carne bovina.

Para isso, preparam cuidadosamente um conteúdo programático que visa instigar o participante a conhecer a fundo cada detalhe responsável por comprometer ou melhorar a qualidade do produto final.

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André Luiz Assi

Editor Adjunto e Consultor Técnico em Revista Higiene Alimentar
Médico Veterinário, graduado pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo – USP. MBA em Marketing e Vendas nas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Professor no curso de graduação de medicina veterinária nas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU e em cursos de pós graduação e especialização. Auditor líder FSSC 22000 (IRCA). Consultor técnico e editor adjunto da Revista Higiene Alimentar.

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