BINÔMIO TEMPO E TEMPERATURA E QUALIDADE MICROBIOLÓGICA DE MACARRÃO ESPAGUETE PRODUZIDO E DISTRIBUÍDO POR UNIDADE DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO EM FORTALEZA-CE

TIME AND TEMPERATURE BINOMIAL AND MICROBIOLOGICAL QUALITY OF SPAGHETTI PASTA PRODUCED AND DISTRIBUTED BY FOOD AND NUTRITION UNIT IN FORTALEZA-CE

Revista Higiene Alimentar, 34 (290) : 40-47, jan/jun, 2020. DOI 10.37585/HA2020.01binomio

Anna Carolina Sampaio Leonardo1

annacarolsl.nutri@gmail.com

Wilma Stella Giffoni Vieira Baroni2

wilma.giffoni@ism.ind.br

Denise Regina de Oliveira Brasil Sousa2

denise@ism.ind.br

Profa. Orientadora Dra. Clarice Maria Araújo Chagas Vergara1

clarice.araujo@uece.br

 

1 Universidade Estadual do Ceará (UECE) – Centro de Ciências da Saúde – Pós-Graduação em Vigilância Sanitária dos Alimentos. Fortaleza-CE, Brasil.

2 ISM Gomes de Mattos Eireli. Fortaleza-CE, Brasil.

RESUMO: O trabalho teve como objetivo avaliar o binômio tempo x temperatura e a qualidade microbiológica de macarrão tipo espaguete refogado produzido e distribuído por uma empresa de alimentação e nutrição. Pesquisa transversal realizada no mês de março de 2019, em uma UAN de grande porte na cidade de Fortaleza, CE, nos dias em que o macarrão tipo espaguete refogado se fez presente no cardápio do jantar de uma universidade pública. Aferiu-se a temperatura do macarrão durante os processos de cocção, transporte, recebimento e em três momentos da durante a distribuição. Amostras do macarrão servido foram coletadas e encaminhadas para análise microbiológica. As temperaturas atingiram as médias de 94,2ºC na cocção, 40,7ºC no transporte, 39ºC no recebimento e 39ºC, 41,3ºC e 43,7ºC nos três momentos da distribuição. As análises microbiológicas das amostras evidenciaram que o macarrão estava dentro dos parâmetros considerados adequados de acordo com a RDC nº 12 e, posteriormente, à IN nº 60 da ANVISA, legislação vigente para os microrganismos avaliados. A dificuldade de manutenção do binômio tempo-temperatura dentro dos parâmetros considerados ideais não interferiu no resultado das análises microbiológicas, uma vez que são respeitadas as normas higiênico-sanitárias em todo o processo de produção. Pode-se concluir que o macarrão tipo espaguete refogado produzido e distribuído pela UAN avaliada encontra-se dentro dos padrões estabelecidos pela legislação vigente atestando sua qualidade microbiológica, estando adequado para o consumo.

Palavras-chave: Binômio Tempo x Temperatura; Qualidade Microbiológica; Macarrão; Unidade de Alimentação e Nutrição.

 

ABSTRACT: The objective of this study was to evaluate the time x temperature binomial and the microbiological quality of braised spaghetti noodles produced and distributed by a food and nutrition company. Cross-sectional study conducted in March in a large FNU in the city of Fortaleza, CE, in the days which the braised spaghetti pasta was present on the dinner menu of a public university. The spaghetti temperatures were measured during the cooking, transport, receivement and three times during distribution processes. Samples of the served pasta were collected and sent for microbiological analysis. Temperatures reached the averages of 94.2ºC in cooking, 40.7ºC in transportation, 39ºC in receivement and 39ºC, 41.3ºC and 43.7ºC in the three moments of distribution. The microbiological analyzes of the samples showed that the noodles were within the parameters considered adequate according to the RDC no 12 and, subsequently, to ANVISA IN no 60, current legislation for the evaluated microorganisms. The difficulty in maintaining the time-temperature binomial within the parameters considered ideal did not interfere with the results of microbiological analyzes, since hygienic-sanitary standards are respected throughout the production process. It can be concluded that the braised spaghetti noodles produced and distributed by the evaluated FNU are within the standards established by current legislation attesting its microbiological quality, being suitable for consumption.

Keywords: Time x Temperature Binomial; Microbiological quality; Spaghetti; Food and Nutrition Unit.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

É crescente o número de refeições realizadas fora de casa no últimos anos no Brasil (COSTA ALMEIDA; COSTA; GASPAR, 2010; BEZERRA et al., 2013). Portanto, cada vez mais, as Unidades de Alimentação e Nutrição (UAN’s) devem servir refeições balanceadas e dentro de condições higiênico-sanitárias satisfatórias (BRASIL, 2004).

Durante todo o processo de produção e distribuição dos alimentos, é imprescindível que o binômio tempo-temperatura seja adequado, respeitando o tempo ideal de exposição do alimento de acordo com a sua temperatura, para evitar a proliferação de microrganismos causadores de doenças transmitidas por alimentos (DTA) (BRASIL, 2001a)

DTA’s são um problema emergente e também tema de grande preocupação dos governos de vários países. Afetam tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento, portanto qualquer pessoa corre o risco de adquiri-las (WHO, 2007; OLIVEIRA et. al., 2010).

À vista disso, os alimentos mais consumidos são os que podem oferecer mais riscos. Um dos alimentos consumidos nas refeições dos brasileiros é o macarrão (BEZERRA et al., 2013). Este alimento, derivado de cereais, se não for preparado de maneira adequada, com os devidos cuidados higiênico-sanitários, pode estar exposto a proliferação principalmente de coliformes termotolerantes, Staphylococcus aureus, Bacillus cereus e Salmonella sp, principalmente por ser um dos alimentos que apresentam maior dificuldade de se manter as temperaturas elevadas (RICARDO, MORAIS, CARVALHO, 2012; PENEDO et. al, 2015). Estas bactérias estão entre as principais causadoras de DTAs, gerando diversos sintomas como vômitos, diarreias, náuseas, dores de cabeça, entre outros sintomas, quando proliferadas em grandes quantidades nos alimentos (BRASIL, 2001a).

Para evitar a ocorrência de DTA’s, a adequação das boas práticas de manipulação de alimentos e a atuação do profissional nutricionista são fundamentais, assegurando a produção de refeições seguras e de qualidade (BRASIL, 2004).

Desta forma, considerando que alimentos preparados de maneira adequada, bem como respeitando o binômio-tempo temperatura são seguros para o consumo, objetivou-se avaliar o binômio tempo e temperatura e a qualidade microbiológica de macarrão tipo espaguete refogado produzido e distribuído por uma empresa de alimentação e nutrição em Fortaleza, Ceará.

 

2 METODOLOGIA

 

  A pesquisa descritiva de caráter transversal foi realizada em uma Unidade de Alimentação e Nutrição de grande porte que produz aproximadamente 80.000 refeições diárias e realiza o serviço de distribuição destas, na cidade de Fortaleza, Ceará. Conta com profissionais nutricionistas na sua equipe, bem como possui a certificação ABNT – NBR 15.635. O período da pesquisa ocorreu no mês de março de 2019, nos dias que o macarrão tipo espaguete refogado se fez presente no cardápio planejado para o jantar de uma universidade pública.

Na unidade a preparação das refeições do jantar se inicia às 14h, às 16h todas as preparações devem estar prontas para serem transportadas nas caixas térmicas da marca ALPINA®. O horário de jantar inicia às 17h30min e finaliza às 19h. O tempo de deslocamento entre a área de produção de refeições e o local de distribuição é de 30 minutos.

As temperaturas do macarrão foram aferidas com um termômetro digital tipo espeto com sonda em aço inox, com variação de temperatura -50° a 300°c, da marca EOS®, durante a cocção (T1), transporte (T2) e recebimento (T3). Durante a distribuição, foram feitas três aferições em momentos distintos (T4.1, T4.2 e T4.3). Para a aferição das temperaturas, seguiu-se o procedimento recomendado pelo Manual ABERC (2015).

As legislações Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 216 de 2004 e a portaria nº 5 do Centro de Vigilância Sanitária (CVS) de 2013, que regulamentam a distribuição de  alimentos quentes a temperatura ≥ 60ºC por no máximo seis horas e ≤ 60ºC por até 1 hora, de preparações frias até 10ºC por no máximo 4 horas, e entre 10ºC e 21ºC por até 2 horas, foram utilizadas como referenciais para análise das temperaturas coletadas do macarrão.

Além disso, as amostras do macarrão tipo espaguete foram coletadas com 1/3 do tempo antes do fim da distribuição, de acordo com a orientação do Manual ABERC (2015).

Após a coleta das amostras, estas foram encaminhadas para a análise microbiológica em um laboratório especializado. As amostras foram analisadas pela metodologia SM 9215 C (Spread plate method – Contagem de Bactérias Heterotróficas) para Bacillus Cereus, Coliformes a 45ºC/g e Staphylococcus Coagulase Positiva (APHA, 2017). Para determinação de Salmonella sp/25g, utilizou-se a metodologia do Bacteriological Analytical Manual (BAM/FDA, 2007).  Os resultados obtidos foram comparados à RDC Nº 12 (BRASIL, 2001b), na qual recomenda-se os parâmetros microbiológicos para produtos a base de amidos, farinhas, féculas e fubá́, semielaborados, estáveis à temperatura ambiente, e posteriormente à atualização Instrução Normativa nº 60 (BRASIL, 2019), que define os parâmetros microbiológicos para Massas alimentícias secas, com ou sem recheio, incluindo as massas instantâneas.

O presente estudo é parte de um estudo maior intitulado “Gestão da qualidade total em uma Unidade de Alimentação de Nutrição (UAN) transportada de grande porte no estado do Ceará”, tendo sido aprovado pelo comitê de ética da UECE (CAAE: 05770918.3.0000.5534).

 

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Na Tabela 1 pode-se ver que durante a cocção (T1), as temperaturas atingidas foram adequadas, uma vez que ultrapassaram o mínimo de 70ºC, exigido na RDC nº 216, atingindo uma média de aproximadamente 94,2ºC, o que garante uma boa qualidade-higiênico sanitária do alimento naquele momento.

Após a cocção, os alimentos foram acondicionados para o transporte, sendo nesse momento aferida a segunda temperatura (T2), que se mostrou em média 32% mais baixa do que os 60ºC que recomenda a legislação, nos dias da coleta. O tempo do transporte foi de 30 minutos, o que evidencia que o binômio tempo-temperatura foi respeitado, apesar da temperatura do macarrão.

 No recebimento (T3), constatou-se que a temperatura diminuiu mais um pouco, mas ao serem encaminhadas para a distribuição (T4.1, T4.2 e T4.3), nota-se que a temperatura elevou-se um pouco, por conta das temperaturas do balcão térmico, apesar de não ter atingido a temperatura mínima para ser distribuído por mais de 1h. O período de distribuição foi de aproximadamente 2h30min, o que, para a temperatura do macarrão obtida nas aferições, está fora dos padrões considerados como ideais, já que ultrapassa o tempo recomendado de distribuição para alimentos abaixo da temperatura de 60ºC.

 

 

 

 

 

Tabela 1 – Temperaturas do macarrão obtidas durante o processo de cocção, transporte e distribuição. Fortaleza, 2019.

Data

T1

T2

T3

T4.1

T4.2

T4.3

B.T.1

B.T.2

12/03

93,5ºC

41ºC

38ºC

38ºC

41ºC

43ºC

187ºC

251ºC

13/03

96ºC

41ºC

40ºC

40ºC

42ºC

44ºC

129ºC

156ºC

18/03

93ºC

40ºC

39ºC

39ºC

41ºC

44ºC

231ºC

213ºC

Médias

94,2ºC

40,7ºC

39ºC

39ºC

41,3ºC

43,7ºC

182,3ºC

206,7ºC

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019. B.T. (Balcão Térmico).

 

 

Resultado similar foi encontrado no estudo de Martins, Carvalho, Ricardo (2012) realizado em restaurantes comerciais de Goiânia, onde a guarnição macarrão não atingia a temperatura mínima. Calado, Ribeiro e Frota (2009) em um estudo realizado em restaurantes tipo self-service no Maranhão também evidenciaram a inadequação de temperaturas na etapa de distribuição. Nascimento et. al. (2016) além de terem salientado que o macarrão não atingia a temperatura mínima, também verificaram que isso devia ao fato de os funcionários realizarem a reposição da guarnição, o que expôs o alimento a temperatura ambiente durante a manipulação.

Alimentos ricos em amido, como macarrão e arroz, ao serem expostos a altas temperaturas, consideradas adequadas, apresentam alteração na textura e suas características sensoriais são alteradas, o que pode interferir na aceitação do consumidor, assim, não são expostos a essas temperaturas. Além disso, há uma dificuldade na manutenção da temperatura devido ao baixo teor de água nos alimentos (DOMENE, 2011).

O resultado das análises microbiológicas segue apresentado na Tabela 2 com respectiva comparação à RDC Nº 12 (BRASIL, 2001b), vigente no período da pesquisa. Posteriormente, fez-se uma comparação à IN nº 60 da ANVISA, legislação atualizada. É possível observar que, de acordo com a legislação vigente, as amostras coletadas apresentaram-se dentro dos padrões todos os dias. Foi possível constatar que no dia 13 de março a análise para coliformes a 45ºC/g apresentou resultado mais elevado em comparação aos outros dias, porém ainda dentro dos padrões normativos de qualidade. Desta forma, apesar de não ter sido possível atingir as temperaturas mínimas para distribuição por mais de 1h e o binômio tempo-temperatura não ter sido totalmente respeitado de acordo com a legislação, o macarrão apresentou-se próprio para consumo em todos os dias analisados, não oferecendo riscos a saúde de quem o consumisse.

 

 

Tabela 2 – Análises Microbiológicas de macarrão tipo espaguete refogado produzido e distribuído pela UAN avaliada. Fortaleza, 2019.

Parâmetro

Unidade

L.Q

VMP

12/03

13/03

18/03

Bacillus cereus

UFC/g

100

<1000

<100

<100

<100

Coliformes a 45ºC/g

UFC/g

3,0

<100

<3,0

60,000

<3,0

Salmonella sp/25g

Ausência

Ausência

Ausência

Ausência

Staphylococcus Coagulase Positiva

UFC/g

100

<1000

<100

<100

<100

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019. L.Q (limite de Quantificação). VMP (Valor Máximo Permitido pela legislação).

 

 

Machado, Damian e Matos (2012) avaliaram a segurança da preparação de macarrão em serviço de refeição transportada de uma cozinha industrial do Distrito Federal e averiguaram que, mesmo com a adição de molho, a preparação não consegue atingir a temperatura mínima recomendada. Além disso, também testaram formas alternativas de preparação, o que mostrou que a tentativa de se elevar a temperatura alterava a textura da massa, fato que compromete a aceitação. No mesmo estudo, foram realizadas análises microbiológicas do macarrão em todas as etapas de preparação, envase e distribuição, e obtiveram resultado adequado de acordo com a legislação, mesmo com temperaturas abaixo do padrão indicado. Como durante o processo de produção avaliado houve um cuidado com a qualidade higiênico-sanitária do macarrão, a baixa temperatura não influenciou tanto na qualidade microbiológica do produto final.

O papel dos profissionais nutricionistas na empresa, garantindo controle dos fornecedores, qualidade da matéria prima, bem como o treinamento periódico dos funcionários a cada seis meses e sempre que necessário para assegurar as boas práticas na manipulação dos alimentos presentes nos Procedimentos Operacionais Padronizados (POP) e no Manual de Boas Práticas (MBP) são fatores importantes na garantia da qualidade microbiológica do alimento, mesmo com temperatura abaixo do recomendado e além do tempo ideal de distribuição (BRASIL, 2004).

 

4 CONCLUSÃO

 

 

  Pode-se concluir que o macarrão tipo espaguete refogado produzido e distribuído pela UAN avaliada encontra-se dentro dos padrões estabelecidos pela legislação vigente atestando sua qualidade microbiológica. A dificuldade de manutenção do binômio tempo-temperatura dentro dos parâmetros considerados ideais não interferiu no resultado das análises microbiológicas, uma vez que são respeitadas as normas higiênico-sanitárias em todo o processo de produção.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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BEZERRA, I. N.; SOUZA, A. M.; PEREIRA, R. A.; SICHIERI, R. Consumo de alimentos fora do domicílio no Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 1, n. 47, p.200-211, 2013.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Manual Integrado de Prevenção e Controle de Doenças Transmitidas por Alimentos. Brasília: Ministério da Saúde, 2001a.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Regulamento técnico sobre padrões microbiológicos para alimentos RDC nº 12. Diário Oficial da União; Poder Executivo, janeiro de 2001b.

 

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CALADO, I.L.; RIBEIRO, M.D.C.D.S.; FROTA, M.T.B. A Avaliação da temperatura dos alimentos na etapa de distribuição em restaurantes self-service de São Luís, MA. Higiene Alimentar, v. 23, n. 174/175, p. 117-122, 2009.

 

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