Revista Higiene Alimentar, V. 34 (291): e1029, 2020 – DOI: 10.37585/HA2020.02virus
VIRUS TRANSMITTED BY FOOD
Jacqueline Medeiros Garcia¹
Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio Libanês – Serviço de Alimentação. São Paulo – SP – Brasil
https://orcid.org/0000-0001-8079-6245
jacqueline.mgarcia@hsl.org.br
Me Silmara Rodrigues Machado²
Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio Libanês – Serviço de Alimentação. São Paulo – SP – Brasil
https://orcid.org/0000-0002-0548-4775
silmara.machado@hsl.org.br
Me Ariane Nadolskis Severine²
Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio Libanês – Serviço de Alimentação. São Paulo – SP – Brasil
https://orcid.org/0000-0002-5339-6392
¹ Participou ativamente da redação e elaboração do artigo, discussão dos resultados e revisou e aprovação da versão final do trabalho.
² Participou ativamente da discussão dos resultados e revisou e aprovação da versão final do trabalho.
RESUMO: As doenças transmitidas por alimentos (DTA) são causadas pela ingestão de alimentos contaminados por micro-organismos patogênicos como bactérias, vírus, parasitas ou suas toxinas, e podem ser identificadas quando uma ou mais pessoas apresentam sintomas similares. Existem muitos vírus envolvidos em surtos de origem alimentar, e os mais comuns são os norovírus e o da Hepatite A. Importantes patógenos virais podem surgir da transmissão do animal para o homem. O SARS-CoV foi descoberto em 2003, após uma pandemia de doença respiratória grave originada na China. Acredita-se que os morcegos transmitem esse vírus por contaminação fecal em alimentos diretamente aos humanos, ou para hospedeiros intermediários através da aerossolização de fezes e outros fluídos corporais, causando infecção respiratória no homem. Os alimentos podem ser contaminados ao serem tocados por manipuladores portadores do vírus, ou caso estejam dispostos em ambientes contaminados. Assim a higiene pessoal e ambiental são fundamentais para minimizar a propagação do vírus na cadeia alimentar. Relatos de surtos de vírus transmitidos por alimentos têm aumentado constantemente, tornando-os uma séria ameaça para saúde global, e a medida que os métodos de detecção melhoram e novos são desenvolvidos, a associação do vírus com as DTA só aumentará. Além disso, com os avanços da genômica e da microbiologia molecular, há promessas de avanço contínuo nos métodos de detecção que permitirão melhorar a capacidade de identificar a origem da contaminação dos alimentos. Diante desse contexto, o objetivo deste artigo foi relatar a importância dos vírus nas DTA, formas de transmissão e métodos de detecção.
Palavras-chave: Alimentos. Contaminação. Vírus. Análise de alimentos.
ABSTRACT: Foodborne diseases are caused by contaminated food by pathogenic microorganisms such as bacteria, viruses, parasites or their toxins, and can be identified when one or more people have similar symptoms. There are many viruses involved in foodborne outbreaks, the most common are noroviruses and Hepatitis A. Important viral pathogens can arise from the animal transmission to man. The SARS- CoV vírus was discovered in 2003, following a severe respiratory disease pandemic originating in China. Bats are believed to transmit this vírus through fecal food contamination directly to humans, or to intermediate hosts through aerosolization of faces and other body fluids, causing respiratory infection in humans. Food can be contaminated when touched by handlers carrying the virus, or if they are disposed of in contaminated enviroments. Reports of foodborne virus outbreaks have steadily increased, making viroses a serious threat to global health, and as new and improved detection methods are developed, the association of the virus with foodborne diseases will only increase. In addition, with advances in genomics and molecular microbiology, there are promises of continuous advances in detection methods that will improve the ability to identify the source of food contamination. In this context, the objective of this article is to report the importance of foodborne viruses, transmission and detection methods.
Keywords: Food. Contamination. Virus. Food analysis.
1 INTRODUÇÃO
As síndromes, resultantes da ingestão de alimentos contaminados são conhecidas como Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA). Existem aproximadamente 250 tipos de doenças alimentares, responsáveis por sérios problemas de saúde pública e expressivas perdas econômicas (Oliveira et al., 2010). Os alimentos contaminados por micro-organismos patogênicos como bactérias, vírus, parasitas ou suas toxinas podem ser identificados quando uma ou mais pessoas apresentam sintomas similares após o seu consumo. Os sintomas mais comuns de DTA incluem dor de estômago, náuseas, vômitos, diarreia e por vezes febre, podendo variar para doenças neurais graves, com eventos raros até miocardite, doença respiratória ou febre hemorrágica, dependendo do tipo de micro-organismo ou toxina ingerida, ou suas quantidades no alimento (Bosch et al, 2016; O’Shea et al, 2019).
Apesar dos micro-organismos raramente conseguirem sobreviver à passagem para o intestino em número suficiente para causar infecção, devido os mecanismos de defesa do nosso corpo, alguns micro-organismos têm a capacidade de sobreviver e penetrar no corpo através do trato gastrointestinal (O’Shea et al, 2019).
A Tabela 1 descreve alguns tipos de agentes patogênicos de gastroenterite.
Existem muitos vírus envolvidos em surtos de origem alimentar, e os mais comuns são os norovírus e o da Hepatite A. No Brasil, no período de 2009 e 2018, alguns vírus como Norovírus, Rotavírus e Vírus da Hepatite A estiveram entre os dez principais agentes envolvidos em DTA (Brasil, 2019). Estes patógenos requerem células hospedeiras para propagação e infecção. Assim, quando estão no meio externo são meramente partículas inertes, e nesta condição o seu risco associado depende da capacidade dos mesmos de manterem-se ativos fora das células hospedeiras (Boscha et al, 2018).
Manipuladores de alimentos, esgoto, fezes humanas e animais infectados foram identificados como principais rotas de transmissão dos vírus (Bosch et al, 2016). O Quadro 1 representa o agente, os fatores contribuintes, alimentos incrimináveis e principais manifestações de algumas doenças transmitidas por vírus.
2 METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica. Para tanto, o levantamento foi realizado utilizando os principais sítios de busca como Scielo, Science Direct, Pubmed. Foram selecionados artigos dos últimos 10 anos e as seguintes palavras-chave foram utilizadas para a pesquisa: Alimentos, Contaminação e Vírus.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os vírus transmitidos por alimentos ao longo dos anos tornaram-se uma preocupação na indústria de alimentos e órgãos reguladores, e somente recentemente as DTA causadas por estes agentes começaram a ser monitoradas em sistemas de vigilância (Boscha et al, 2018).
A Figura 1 apresenta a distribuição dos 10 agentes etiológicos mais identificados nos surtos de DTA, no período de 2009 a 2018 no Brasil.
Importantes patógenos virais podem surgir da transmissão do animal para o homem. Na Malásia em 1988, um surto de encefalite febril grave foi causado pelo vírus Nipah, e transmitido por meio do consumo de carne de porco contaminada. Outros relatos referem-se a encefalite transmitida por carrapatos que pode ser transmitida por leite não pasteurizado e leite de animais infectados pelo flavivírus (Bosch et al, 2016).
O vírus SARS-CoV foi descoberto em 2003, após uma pandemia de doença respiratória grave originada na China.
Acredita-se que os morcegos transmitem esse vírus por contaminação fecal em alimentos diretamente aos seres humanos, ou para hospedeiros intermediários através da aerossolização de fezes e outros fluídos corporais, causando infecção respiratória em humanos. Após a contaminação do ser humano, a propagação acontece por gotículas respiratórias espalhadas que são transferidas pelo contato para boca, nariz ou olhos. A infecção resulta em sintomas que vão desde febre alta, dor de cabeça a sintomas respiratórios mais graves (O’Shea et al, 2019).
Os alimentos podem ser contaminados ao serem tocados por manipuladores portadores do vírus, ou caso estejam dispostos em ambientes contaminados. Assim a higiene pessoal e ambiental são fundamentais para minimizar a propagação de DTA dentro da cadeia alimentar. Importante frisar que a contaminação está presente nas fezes do indivíduo infectado por um longo período após cessar os sintomas, portanto esta pode ser uma fonte de contaminação (O’Shea et al, 2019).
A detecção de vírus em alimentos é um desafio devido a dificuldade de quantificação de partículas virais infecciosas, além da distribuição heterogênea de partículas virais por todo alimento. Além disso, a presença ou ausência de indicadores fecais bacterianos em alimentos como E. coli provaram não ser confiáveis para indicar a presença de vírus entéricos. A compreensão do comportamento dos vírus evolui lentamente, e na ausência de indicadores confiáveis, a detecção é realizada por meio de métodos baseados na detecção de ácidos nucleicos virais. Estes métodos não indicam infecção viral, e por isso dificultam a interpretação dos resultados das avaliações de risco, e tornam difícil a correlação de vírus e a probabilidade de causar doença (Boscha et al, 2018).
Existem limitações para estudar e cultivar uma série de vírus patogênicos de origem alimentar. A dificuldade de cultivo de vírus entéricos nos estudos que verificam sobrevivência e potencial de transmissão e a falta de dados de surtos para determinar a dose infecciosa, criam incertezas nos estudos de avaliação de risco para vírus (Boscha et al, 2018; Shereen et al, 2019).
A detecção do vírus é realizada na maioria por métodos de PCR (Proteína C-reativa), focados para detecção de Noravírus (NoV) e Hepatite A (HAV). Os métodos moleculares para controlar a contaminação viral, como PCR, pode ser prejudicado devido à baixa concentração de vírus normalmente presentes em alimentos contaminados. Além disso, o baixo número de partículas virais contaminantes pode não estar uniformemente distribuídos na matriz alimentar, e assim, podem não ser detectado em ensaios moleculares. Uma das principais armadilhas do uso de métodos moleculares na análise, é que os mesmos não discernem entre vírus infecciosos e não infecciosos (Boscha et al, 2018; Bosch et al, 2016).
Um fator importante é a estabilidade do vírus em diferentes ambientes, como superfícies molhadas ou secas, em instalações onde ocorre a manipulação de alimentos ou nos próprios alimentos. Em produtos frescos, por exemplo, descobriu-se que os vírus transmitidos por alimentos sobrevivem por mais tempo do que a vida útil dos produtos, e em frutos do mar os vírus entéricos são conhecidos por persistir por várias semanas ou meses (Boscha et al, 2018).
Alguns vírus presentes em alimentos podem ser mais resistentes que bactérias vegetativas, assim não podem ser inativados da mesma forma que as bactérias, e a medida que a indústria avança para processos térmicos mais brandos, a probabilidade dos vírus sobreviverem a estes tratamentos pode aumentar. Hoje em dia, apesar dos alimentos serem muito seguros, as doenças transmitidas por alimentos ainda são causa importante de mortalidade (Boscha et al, 2018; Bosch et al, 2016).
15 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Relatos de surtos de vírus transmitidos por alimentos têm aumentado constantemente, tornando os vírus uma séria ameaça para saúde global. A medida que os métodos de detecção forem aprimorados e novos métodos forem desenvolvidos será possível melhorar a capacidade de identificar a origem da contaminação dos alimentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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