Vivemos, nas últimas décadas, um fenômeno extremamente rápido de globalização e agilidade nos deslocamentos de bens e pessoas, acesso à informação e produtos de diferente natureza, sendo os alimentos produtos de destaque. Esse fenômeno intensificou também fatores de risco, pelo aumento de exposição a agentes patogênicos nativos e perigos emergentes, e acentuou a incorporação de novos hábitos alimentares, provocando mudanças de preferência de consumo e práticas de processamento de alimentos, influenciando, destarte, a conformação epidemiológica das doenças transmitidas por alimentos.
Assim, a segurança de alimentos representa um desafio internacional, que requer cooperação e pressiona os governos a se mobilizarem quanto a adoção de medidas regulatórias sanitárias, a fim de proteger a saúde da população. A preocupação dos consumidores com os riscos relacionados aos alimentos cresce a cada dia, com a tecnologia representando uma ferramenta de rápida propagação de informações e opiniões. Ainda, há a ascensão de movimentos sociais em defesa do direito do consumidor e preservação do meio ambiente, tendo como enfoque o combate à dicotomia entre interesses econômicos e sociais.
As grandes crises em nível alimentar que sistematicamente assolam o mundo conduzem a intensas discussões sobre a segurança alimentar fornecida. Em tempos de instabilidade política e econômica busca-se constantemente o aumento da eficiência nos processos produtivos, reduzindo perdas, aumentando disponibilidade ao consumidor a preços acessíveis e que consista em um produto que impacte positivamente na saúde, consistindo em uma relação de retroalimentação. Assim, em um mundo cada vez mais globalizado e ágil, preconiza-se a sustentabilidade em sentido amplo: econômica, do meio ambiente e da qualidade de vida.
Por outro lado, é importante analisar o quanto a questão econômica no mercado mundial influencia as decisões concernentes à análise de risco. Deve haver mecanismos atentos e ágeis de controle a medidas protecionistas pretensamente sanitárias. O poder influenciador de países com economia forte faz valer seus modelos científicos, criando um viés mais comercial que de qualidade sanitária. O Brasil enquanto player importante no setor primário exportador, responsável por grande parcela de seu produto interno bruto – PIB necessita ter ações preventivas. A adoção da Análise de Risco pode proporcionar melhorias no sistema de controle de alimentos, incrementando as exportações e ampliação do mercado internacional.
Entretanto deve-se enxergar a cadeia produtiva de forma holística e não cada segmento individualmente em busca de desafios e melhorias. Um exemplo disso é a estrutura de controle sanitário morosa composta por diferentes instituições com comandos diferentes e sem recursos e prestígio necessários para bom andamento de sua atuação. Ainda, é assunto que extrapola os órgãos fiscalizadores e ministérios, demandando mobilização para reorganização administrativa e atualização institucional.
Uma definição de risco é “a probabilidade de acontecer uma situação adversa, problema ou dano e as consequências geradas por esse evento”. Avaliar riscos é determinar a melhor maneira de geri-los por completo e ampliar à escala adequada constitui um enorme desafio. É difícil apreciar todos os aspectos do risco e visualizar todas as consequências de uma medida de controle, pois um certo grau de incerteza está sempre presente.
Os riscos na produção de alimentos implicam em potencial impacto aos consumidores, como micro-organismos infecciosos ou toxigênicos, substâncias químicas ou agentes físicos. Os recursos aplicados não garantem a qualidade do produto final, lembrando que esse conceito trata das características sensoriais e inocuidade dos alimentos. Assim, concebeu-se uma estrutura denominada análise de risco.
A análise de risco tem o intuito de conter custos financeiros dispendidos pelos setores privados e estatais por conta das grandes transformações e complexidade tecnológicas e científicas com enfoque na segurança industrial, meio ambiente e saúde. De natureza multidisciplinar, fluida e dinâmica, trata-se de uma forma sistemática que integra identificação, quantificação entre agentes de riscos e danos, além de respaldar alternativas, discutir ou aceitar riscos por parte dos envolvidos no cenário em questão. Entra em composição e consonância com os processos e programas de qualidade industriais, além de visualizar a inserção e interdependência entre todos os atores da cadeia produtiva.
Hoje, é possível realizar análise de risco através de modelagem estatística. “Quando lidamos com bens, não existe risco zero. Quem advogar isso, ou é tolo ou mal intencionado disse Donald Schaffner, professor da Rutgers University no IFoRC Symposium, ao apresentar o uso de modelagem estatística para estimar risco em problemas de segurança alimentar e dar base a tomada de decisões.
A grande dicotomia existente entre os critérios adotados para os alimentos destinados para o mercado externo em detrimento ao interno é ponto de preocupação também, onde no segundo caso existe flexibilidade nos critérios adotados e recursos limitados. Por um lado, há os interesses corporativos, porém, há de se considerar os impactos à soberania nacional, como os custos governamentais no tratamento de doenças causadas por alimentos inseguros.
Um exemplo da importância da adoção da Análise de Risco no mercado interno é a tendência dos produtos artesanais e afrouxamento da regulamentação e fiscalização a eles sob a bandeira de busca de maiores condições ao pequeno produtor em prover renda, além de disponibilidade de produtos de qualidade superior.
O conceito de qualidade de alimentos é composto pela qualidade sensorial e inocuidade dos alimentos, o risco desse alimento causar agravos à saúde da população. Essa discussão nos remete diretamente ao conceito de “arte-sanal”, que é o produto produzido por um artesão, pessoas altamente habilidosa e qualificada, que busca as melhores matérias primas, oferecendo um produto de qualidade superior e diferenciada. Em detrimento a isso, temos em nossa realidade exemplos como o “queijo artesanal”. Nosso rebanho de gado leiteiro possui alta prevalência de doenças como tuberculose e brucelose. Diante do exposto cabe a reflexão “O quão artesanal é esse produto?”.
Nessa discussão devemos incluir alguns pontos de vista importantes para uma tomada de decisão adequada aos objetivos e aceitável por todos os interessados. Deve-se levar em conta fatores econômicos, sociais e étnicos. Também, a cultura organizacional e de segurança dos alimentos.
A cultura organizacional influencia o nível de comprometimento e satisfação do staff, tornando-se tão importante quanto o ambiente, missão, liderança e metas, sendo fatores indissociáveis no chão de fábrica. Em conjunto com a cultura de segurança dos alimentos resultam em aumento na eficiência e qualidade dos produtos através de ambiente colaborativo e promoção do comprometimento através do sentimento de fazer parte da resolução dos problemas. Evidentemente tem que ser incentivada, informada e colocada em prática.
Também é essencial compreender o fator humano, utilizar a bagagem que cada indivíduo traz. Um sistema de treinamento e capacitação que não leva em conta a pessoa tem sua probabilidade de eficiência reduzida. Em um país com a maior parte dos municípios sem saneamento básico mínimo adequado promover a conscientização quanto a práticas seguras na produção de alimentos de forma eficiente é, antes de tudo, uma ação educativa, transformadora do indivíduo onde promovemos modificações positivas inclusive na qualidade de vida.
O acesso do cidadão à educação e informação tecnicocientífica é contemplada em nossa Constituição Federal e deve possuir recursos e fomento à cultura científica do país. O pequeno produtor assim poderá cumprir sua ânsia em oferecer um produto categoricamente artesanal. Também, disponibilizar linhas de crédito e políticas de desenvolvimento rural e produtivo; aprimorar infraestrutura para produção e escoamento dos produtos; oferecer suporte técnico; prover recursos educativos para desenvolvimento enquanto cidadão e profissional; prover políticas que fortaleçam o acesso e poder de compra ao cidadão comum.
A participação da sociedade civil é essencial na busca de resultados que atendam aos anseios do consumidor em detrimento do mercado. Na somatória, promovendo melhorias nos processos produtivo e propiciando formas de evitar ou minimizar riscos.
Por fim, não basta somente o emprego de ferramentas avançadas que busquem eficiência produtiva. É necessário também políticas estatais que previnam problemas quanto ao mercado mundial, mas que também preconizem segurança e critérios adequados ao consumidor interno. Ainda, que através do conhecimento científico e investimento proporcione infraestrutura adequada, inovação e educação à população. Não podemos deixar de destacar a importância de políticas que tragam poder de compra ao consumidor e participação do cidadão nos processos decisórios
André Luiz Assi, junho, 2018.
Mestre pela Faculdade de Veterinária da USP;
Docente de Inspeção Sanitária e Tecnologia de Alimentos da FMU, São Paulo;
Especialista e Responsável Técnico em qualidade e segurança de alimentos.
André Luiz Assi
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