Revista Higiene Alimentar, 34 (290) : 113-117, jan/jun, 2020. DOI 10.37585/HA2020.01conta
Tatiana Coura Oliveira1,
tatiana.coura@ufv.br
Monise Viana Abranches²,
monise.abranches@ufv.br
1,2 Universidade Federal de Viçosa, campus Rio Paranaíba, Rio Paranaíba, MG.
Thaisa Mara Carvalho Coelho3,
thaisacoelhonutri@gmail.com
3 Nutricionista, consultora de alimentos, especialista em gestão de negócios de alimentação.
RESUMO: A COVID-19 interrompeu atividades cotidianas e impactou a alimentação coletiva, principalmente os serviços de natureza comercial. Este manuscrito sistematiza questões que se ligam ao papel de profissionais que atuam como consultores em gestão e controle higienicossanitário desse segmento.
Palavras-chave: Serviços de alimentação. Pandemia por covid19. Segurança alimentar.
ABSTRACT: COVID-19 has impacted daily human activities, including food services. This manuscript systematizes issues that link the role of professionals who act as consultants on sanitation and hygiene management in food service.
Keywords: Food services. Pandemic. Food security.
O hábito de se alimentar fora de casa tem sido incorporado ao estilo de vida dos brasileiros (IBGE, 2019). Apesar da tendência de crescimento do setor, o avanço da COVID-19 impactou o processo produtivo de refeições, trazendo incertezas para este mercado. Esse manuscrito é um convite para se pensar o setor, cujos estabelecimentos fecharam as portas ou operam em condição de risco, assim como os desafios e potencialidades dos profissionais que atuam neste campo.
A partir da declaração, do Ministério da Saúde, de haver transmissão comunitária no país (COELHO et al., 2020), uma série de decretos foi emitida pelas diferentes esferas de governo. Considerando a necessidade de distanciamento social para minimizar a propagação do vírus, os decretos abordaram a distribuição dos gêneros agrícolas, alimentos industrializados e refeições (RIO DE JANEIRO, 2020a; RIO DE JANEIRO, 2020b, DISTRITO FEDERAL, 2020; SÃO PAULO, 2002). O abastecimento e o consumo de alimentos continuam ocorrendo, mas de forma adaptada. Somente em 20 de março, o governo federal estabeleceu como atividade essencial a produção, distribuição, comercialização e entrega de alimentos e bebidas (BRASIL, 2020a).
Produzir refeições tornou-se desafiador tanto em nível institucional, quanto comercial. Várias questões se somam ao controle higienicossanitário frente à pandemia. Unidades de alimentação e nutrição, embora tenham o profissional nutricionista como gestor da produção, por vezes, viram a demanda aumentar, como nos hospitais, ou ainda precisaram rever contratos como nos casos de indústrias, creches, escolas e universidades que instituíram home office ou paralisaram suas atividades.
Os serviços comerciais de alimentação, que são principalmente empresas de pequeno porte (SEBRAE, 2017a; SEBRAE, 2017b), encontraram outros enfrentamentos que perpassam a redução das atividades in loco e do faturamento, com consequente necessidade de ajustes do modelo de negócio para sobreviver à crise. Este mercado emprega 6 milhões de pessoas, incluindo consultores em gestão e higiene alimentar, representando 2,7% do Produto Interno Bruto do país (SEBRAE, 2020).
A crise sanitária é sucedida por uma crise econômica e social. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes estimou, no início do processo de distanciamento social, que aproximadamente 3 milhões de pessoas perderiam seus empregos (ABRASEL, 2020). A compreensão da complexidade do quadro e a aprovação de estratégias de apoio governamental não acompanhou a velocidade das mudanças deste mercado. Para frear o desemprego em massa e o agravamento do cenário econômico, a Medida Provisória nº 936 (BRASIL, 2020b), publicada 14 dias após ter soado o primeiro alarme sobre as demissões, instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Como efeito cascata dos desdobramentos econômicos, o consultor de alimentos também foi atingido, tendo os contratos paralisados, rescindidos ou a carga horária de trabalho reduzida, mesmo aqueles com acordos que contemplavam tragédias naturais.
A situação é crítica. Por um lado, a Vigilância Sanitária apresenta dificuldades em trabalhar de forma emergencial. Falhas no processo educativo e de monitoramento do cumprimento da legislação, foram agravadas pela demora na liberação de orientações técnicas quanto ao SARS-CoV-2 e pela falta de capilaridade em fazê-las chegar aos estabelecimentos. Por outro lado, a atuação do consultor foi colocada em xeque justamente no momento em que se faz necessária a revisão da cadeia de produção de refeições seguras, em função dos custos associados ao serviço. A conta não fecha!
Problemas crônicos desse segmento se cristalizaram, especialmente o negligenciamento do controle higienicossanitário. Muitos empreendimentos estão sentindo os efeitos do que poderiam ter feito, mas não fizeram. Quantas vezes deixaram de investir em um profissional da área de qualidade que revisasse os processos? Rejeitaram a oferta do serviço de elaboração de fichas técnicas? Pensaram que a distribuição dos produtos poderia se dar de outra forma? Quantas vezes e quais meios foram utilizados para estabelecer a comunicação com o cliente? Compreendido como supérfluo, o trabalho do consultor ajuda a manter o negócio viável durante a pandemia. Este profissional tem papel fundamental no planejamento do cardápio, escolha de fornecedores, controle dos custos, análise de layout, treinamento da equipe para um novo formato de operação, modificação da forma de distribuição, seleção de embalagem e definição da logística de entrega com vistas a manutenção da qualidade do produto. Mesmo que remotamente o consultor pode exercer sua função com auxílio da tecnologia como, por exemplo, por meio do uso das câmeras da empresa.
Apesar da instabilidade em relação ao funcionamento do setor comercial, no que concerne a recomendação de isolamento (WHO, 2020), as Boas Práticas de Produção de Refeições, com pequenas adaptações nos protocolos (ANVISA, 2004; ANVISA, 2020a, ANVISAb, 2020), a disciplina quanto à sua execução e a constante revisão do processo, continuam sendo a forma de cuidado mais eficaz para minimizar o risco da COVID-19. Ainda, para além da saúde dos clientes, deve-se atentar para a saúde dos colaboradores. É comum que os ambientes de produção sejam pequenos, o que naturalmente favorece a aglomeração nos mesmos. Vale lembrar, que o processo produtivo é feito por pessoas e que estas estão igualmente susceptíveis às consequências da contaminação pelo vírus, tal como o restante da população.
A maioria dos locais não precisa fechar as portas. Adaptação é a chave para ajustar os modelos de negócio frente à crise sanitária e levar aos clientes novas experiências. Mesmo sendo o lucro um objetivo, neste momento a manutenção do equilíbrio financeiro já indica boa navegação em mares revoltos. O cenário atual, complexo e dinâmico, impactou o segmento, bem como a atuação do consultor e se estenderá para além do período vivenciado. Capacidade técnica, criatividade, motivação, disciplina, perspicácia e comunicação devem ser alinhadas e utilizadas como estratégias de mercado para a superação dos desafios encontrados. Quando do restabelecimento do convívio social, iniciativas bem sucedidas podem ser incorporadas valorizando serviços e produtos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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