Considerando as complexas interações de seres humanos com os animais, destacando-se o abate e outros tipos de processamento de produtos para alimentação, torna-se relevante inicialmente desenvolver preocupações para depois planejar intervenções em relação ao ambiente zootécnico de criação, em virtude da multiplicidade de agentes químicos e biológicos a que os animais estão expostos. Tal constatação assinala um fluxo ininterrupto de influências mediante questões ambientais e/ou de manejo que indiretamente afetarão o homem por meio dos alimentos. Neste aspecto, é essencial delinearem-se procedimentos confiáveis de observação destas importantes vias de contaminação e infecção representadas pelos animais.
Coube à comunidade científica estabelecer critérios para identificar associação entre exposição a concentrações variáveis de substâncias químicas e efeitos adversos de saúde, observando relações de dose-resposta e lançando mão de testes com animais de laboratório. Tal procedimento, conhecido como avaliação de risco, estabelece a concentração máxima da substância que não está associada a efeito adverso observável (NOEL-non observable effect level) nos modelos animais e, em seguida, define o limite máximo aceitável para os seres humanos, a partir da correção por um fator de segurança, ou seja, especifica a ingestão diária aceitável (IDA) como sendo o NOEL dividido por um fator arbitrário de 10 a 2000, geralmente representado por 100. Neste caso, a ingestão diária aceitável em humanos consta de 100 vezes menos do que o valor associado à ausência de efeitos observáveis em animais de laboratório.
Preocupações com enfermidades humanas neurológicas, déficits cognitivos e intelectuais, lesões renais e hepáticas, distúrbios reprodutivos, malformações, doenças hematopoiéticas e síndromes alérgicas atribuem-se aos resíduos e contaminantes químicos entre os agentes associados à exposição dos animais produtores de alimentos quer ao ambiente ou aos sistemas de manejo.
Sabendo da interdependência da exposição a resíduos e contaminantes químicos e os efeitos deletérios de saúde a ação regulatória do Estado deve estabelecer sistemática para avaliar se o uso de medicamentos veterinários, aditivos alimentares e outros cuidados de manejo estão sendo compatíveis com os adequados níveis de proteção que, a partir dos limites máximos estabelecidos pela comunidade científica, são aceitos pelos governantes como suficientes para garantir a saúde dos governados. Esta ação de definir políticas para atingir um nível adequado de proteção, relativo a concentrações máximas aceitáveis de cada perigo químico em alimentos, denomina-se gerenciamento de risco. Juntamente com a avaliação de risco, a cargo de institutos de pesquisa e universidades, o gerenciamento de risco, cabível aos governos, e adicionalmente a comunicação de risco, atribuível a avaliadores, gestores e à comunidade em geral, integram a sistemática da análise de risco, considerada a mais eficaz abordagem moderna para identificação e controle de perigos em alimentos.
De forma sumária, reconhece-se que a análise de risco trata de abordagem completa para identificar perigos e também para descrever as possibilidades de intervenção técnica para controle, bem como para divulgar amplamente quais são os perigos, suas fontes e formas de mitigação conforme se utilizam, respectivamente, as abordagens das três disciplinas da análise de risco, quais sejam a avaliação de risco, o gerenciamento de risco e a comunicação de risco. A relação entre risco e perigo pode ser suscintamente pensada tendo o perigo como o agente causal de doenças e o risco como a medida da probabilidade de ocorrência destas, seguindo-se à exposição ao perigo, o que se formaliza na seguinte expressão: Risco=perigo*exposição.
Um plano nacional de controle de resíduos e contaminantes, portanto, deve ser visto como representante desta abordagem de escolha e implantação de opções entre políticas direcionadas a manter sob controle a presença e os níves de resíduos e contaminantes químicos em alimentos, sendo assim uma estratégia de gerenciamento dos riscos identificados pela academia científica como relevantes para a saúde pública.
É amplamente reconhecido o papel do Estado em garantir o fluxo contínuo de alimentos seguros à população. Entretanto, com a evolução da relação institucional com a sociedade organizada o Estado pode abrir mão de sua responsabilidade direta, neste âmbito, delegando-a ao setor privado, o que se vincula a assumir um amplo leque de atribuições regulatórias, de fiscalização e também educacionais, mesmo que materializadas por esferas distintas com competências exclusivas. Esta separação de atribuições deve ser preservada para não se incorrer em conflito de interesses. Por exemplo, orientações técnicas necessariamente têm que ser levadas a efeito por organismos de fomento e extensão já que tais providências, apesar de essenciais para fiscalização, não cabem a esta instância, que deve cuidar da constatação de cumprimento aos quesitos legais, com aplicação de sanções previstas na legislação em caso de não aderência aos referidos quesitos.
Sob o ponto de vista das novas atribuições regulatórias do Estado percebe-se que se torna natural conceber uma abordagem oficial para avaliar a confiabilidade do autocontrole executado pelos entes produtivos, como um modo de aumentar a eficácia do gerenciamento de substâcias químicas em alimentos, uma vez que tal abordagem incorpora o reconhecimento da complexidade da cadeia produtiva com responsabilização de todos os entes envolvidos.
A chamada crise de credibilidade quanto aos alimentos, ligada à erosão da confiança pública nos governos, decorre da emergência de perigos associados à modernização dos sistemas produtivos e ao incremento de comércio internacional, com contexto na doença da vaca louca (encefalopatia espongiforme bovina) e sua relação com o aumento na ocorrência da enfermidade humana conhecida como variant
Leandro d’Arc Moretti, junho de 2014.
Fiscal Federal Agropecuário, Laboratório Nacional Agropecuário, Lanagro/SP – CGAL; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento lmoretti@ig.com.br
Revista Higiene Alimentar – Vol. 28 – nº 232/233 – maio/junho de 2014
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