O DESAFIO DA ALIMENTAÇÃO EM EVENTOS DE GRANDE PORTE.

É cada vez mais frequente a realização de eventos que reúnem em um mesmo local milhares de pessoas, como os shows de rock, cultos religiosos e eventos esportivos. Além do elevado número de pessoas em um local normalmente restrito, tais eventos costumam ocorrer por um período prolongado de várias horas ou mesmo dias, o que gera a necessidade de alimentação das pessoas que deles participam.
Nessas situações a alimentação torna-se um desafio em função de diversos fatores, tais como a disponibilidade de alimentos, que devem ser supridos antes do evento, pois em muitos casos a reposição dos produtos é dificultada pelo acesso, geralmente restrito e o planejamento das quantidades necessárias nem sempre é preciso, já que os públicos diferem muito entre um evento e outro. Uma solução seria o armazenamento de quantidades maiores, no entanto, este é um outro fator que pode ser dificultado pela área disponível, já que normalmente prefere-se ofertar mais diversidade e, consequentemente, os espaços disponíveis são divididos para vários estabelecimentos. Soma-se a este a perecibilidade de certos produtos que dispendem maior consumo energético para sua conservação.
A diversidade de alimentos a ofertar é também um ponto importante já que entre um público tão numeroso há interesses culinários diversos e a alimentação deverá atender a todos os hábitos e culturas, além de ser segura e garantir a oferta de alimentos inócuos. Neste quesito, os eventos já aparecem nas estatísticas da vigilância epidemiológica como um dos locais de ocorrência de surtos de doenças transmitidas por alimentos no País. Dos casos notificados no período de 2000 a 2013, do total de 8588 surtos, 251 ocorreram em eventos, aproximando-se de 3%, o que pode parecer um número pequeno, quando comparado a outros locais como residências, com 3409 surtos, aproximando-se de 40% do total e restaurantes/padarias, com 1319, representando pouco mais de 15%. No entanto, esses dados apresentam apenas os surtos notificados e sabe-se que, no Brasil, esse tipo de ocorrência é subnotificado. Ainda é importante salientar que a frequência de eventos de massa, quando comparada com alimentação em residência e restaurantes, é bem menor, tendo um aumento gradual nos últimos anos, com eventos como o Lollapalooza (5 últimos anos), Tomorrowland (2 últimos anos), a Copa do Mundo e agora as Olimpíadas.
No Brasil, a regulamentação para alimentação em eventos de grande porte foi atualizada há pouco mais de um ano pela Agência de Vigilância Sanitária – ANVISA, por meio da Resolução RDC nº 43/ 2015, que dispõe sobre a prestação de serviços de alimentação em eventos de massa, considerando- -se como tal um público diário de mais de mil pessoas e onde sejam realizadas atividades de recebimento, preparo, acondicionamento, armazenamento, transporte, distribuição, exposição ao consumo e comercialização de alimentos.
Os 53 artigos da referida Resolução estabelecem as regras para a prestação dos serviços de alimentação nesses eventos e incluem os requisitos mínimos para avaliação prévia e funcionamento de instalações e serviços relacionados ao comércio e manipulação de alimentos, além de trazer uma Lista de Verificação nos anexos.
Este ano, a Anvisa também publicou um Guia com orientações para o gerenciamento de risco em grandes eventos e, visando destacar, de forma simples e objetiva, os pontos imprescindíveis para a garantia da qualidade sanitária dos produtos e serviços ofertados, elaborou as 5 chaves para a segurança sanitária em grandes eventos, conforme figura abaixo.
Com a chegada das Olimpíadas ao País, também foi desenvolvido um jogo educativo voltado aos eventos de massa. De forma lúdica, o material permite identificar os riscos à saúde ocasionados pela grande circulação de pessoas, produtos e serviços, assim como a forma de efetuar sua comunicação nessas situações.
A globalização facilitou e intensificou o trânsito de pessoas, produtos e serviços em todo o mundo, o que também aumentou a necessidade de disponibilidade e acesso à alimentação em algumas regiões, intensificadas durante alguns períodos. Como toda a mudança, trouxe a necessidade de adaptação e do desenvolvimento de novas habilidades e competências não apenas nos sistemas de produção e distribuição de alimentos, mas principalmente na profissionalização desse segmento da economia, o qual deverá estar atento a essas novidades, que podem se constituir em oportunidades, mas também em novos problemas, para os quais as soluções não podem tardar.
Enfim, alimentar milhares de pessoas, que participam de eventos de grande magnitude, constituirá sempre um desafio para os serviços de alimentação. Não se trata, apenas, de preparar e disponibilizar grandes quantidades de alimentos, com todas suas implicações tecnológicas e higienicossanitárias mas, sobretudo, compatibilizar alimentos para uma grande gama de pessoas de regiões, culturas, hábitos e necessidades alimentares diferentes. Embora exista, hoje, franca tendência de globalização dos hábitos alimentares, em virtude do intenso movimento que se verifica no mundo entre alimentos, pessoas, animais de produção e produtos industrializados em geral, é um erro acreditar, como explica Jean-Pierre Poulain, ao analisar a sociologia da alimentação (UFSC, 2004), que os particularismos nacionais e regionais poderão desaparecer rapidamente.
Assim, conquanto os processos de mundialização da alimentação pareçam irreversíveis, ainda mais quando representados por entidades transnacionais extremamente poderosas, sempre se encontrará a resistência dos mercados locais, verdadeiras trincheiras de manutenção da identidade alimentar, de valorização da tradição e do patrimônio cultural das nacionalidades. Portanto, quando essas nacionalidades se encontram em grandes eventos, fatalmente procurarão se alimentar da maneira mais próxima às suas próprias tradições, conquanto encontrem também à disposição alimentos que se tornaram globalizados, uma vez que seu preparo e ingredientes obedeceram a uma gradativa homogeneização da cultura alimentar.
Sílvia Panetta Nascimento
Editoria Científica da Revista Higiene Alimentar.
Fatec Itapetininga-SP, Centro Paula Souza, São Paulo
Revista Higiene Alimentar – Vol.29 – nº 258/259 – Julho/Agosto de 2016

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