É antiga a preocupação dos produtores de alimentos em relação a sua qualidade intrínseca e aos riscos que podem acarretar à saúde do consumidor, quando os cuidados básicos de caráter higiênico e sanitário deixam a desejar. Agora, outra responsabilidade se impõe: a de produzir alimentos sem agredir o meio ambiente, o que significa produzi-los de maneira limpa, salvaguardando a natureza, economizando água, utilizando matérias-primas e processos saudáveis e, sobretudo para os produtos de origem animal, respeitando o bem-estar dos animais fornecedores de matérias-primas e produtos alimentares. Encontram-se, portanto, os paises produtores de alimentos, como o Brasil, diante de um grande desafio: a necessidade de continuar produzindo alimentos para uma população com franca tendência de crescimento (pelo menos até 2050, segundo dados da Organização Mundial da Saúde), mas terão que fazê-lo mediante a nova filosofia exigida pela sociedade, respeitando o homem, o animal e o meio ambiente. Ou seja, acelera-se e se torna irreversível a forma de produzir alimentos através de forma não somente justa mas, acima de tudo, ética.
Assistiu-se nas últimas décadas, incontestavelmente, a um crescente aprimoramento da qualidade dos alimentos, especialmente no que tange às suas condições higiênico-sanitárias. Programas de rastreamento das cadeias de produção garantiram a melhoria da qualidade dos alimentos produzidos, levando o consumidor a contar com produtos certificados quanto a sanidade e aos processos utilizados na produção. Tal evolução deveu-se não somente ao esforço das empresas para qualificarem melhor os meios de elaboração mas, também, aos governos, que se apetrecharam intensamente para tornar mais rigorosas a legislação e a fiscalização dos alimentos e, ainda, ao consumidor que, mais informado, tem reclamado, através de serviços privados e oficiais que o protegem, exigindo seus direitos em receber alimentos de qualidade e a um preço justo.
Nesse contexto, o Brasil mostra uma condição, no mínimo, paradoxal: é o quarto maior produtor mundial de alimentos, mas desperdiça cerca de 32 milhões de toneladas de tudo que produz, por ano. Tal quantidade de alimentos seria suficiente para alimentar 25 milhões de pessoas, no mesmo período. As perdas, infelizmente, não se resumem apenas ao valor dos alimentos não consumidos, que representam tempo, dinheiro e energia desviados, mas vão além: acabam nos aterros sanitários, poluindo o ambiente e sendo uma das principais fontes de gases do efeito estufa.
Outra faceta desse paradoxo mostra um país dividido em duas situações: uma, de avanço tecnológico, contando com uma moderna indústria de alimentos, na qual se trabalha com todo o rigor higienicossanitário e que conta com os mais eficazes programas de controle de qualidade e, outra, lamentavelmente, que não dispõe dos mínimos recursos para a elaboração de alimentos qualificados. Apenas para citar um exemplo desse paradoxo, basta lembrar a posição da indústria de carne, hoje, no Brasil: ao lado de uma empresa de ponta, dotada dos mais avançados sistemas de controle e responsável pela posição do país como um dos principais exportadores de carne bovina do mundo, ainda permanece vivo, paralelamente, um outro tipo de indústria, às margens da lei e atentando contra a saúde pública, representado pelos abates clandestinos, que se converteu em verdadeiro mercado paralelo e ilegal. Convive- -se, pois, na área de alimentos no Brasil, com duas realidades bastante diferentes, convivendo-se, na verdade, simultaneamente, com o avanço e o atraso.
Essa situação discrepante é preocupante, uma vez que pode atingir a credibilidade do país em relação aos alimentos exportados, além de se converter num flanco aberto para a saúde pública. É inquestionável que no mundo globalizado de hoje, a qualidade constitui fator preponderante para o sucesso das empresas e para que os produtos consigam vencer a competição com os concorrentes. Mormente no setor alimentício, dentre os fatores essenciais que caracterizam qualitativamente os produtos, a segurança higiênica e sanitária merece especial destaque, sendo definida como componente fundamental da qualidade.
Portanto, qualidade e segurança sanitária e tecnológica são componentes indissociáveis e indispensáveis para produtos alimentares, sendo que as indústrias conhecem bem os benefícios advindos da necessidade de se trabalhar corretamente os alimentos, garantindo suas propriedades nutricionais, tecnológicas e sanitárias. Num mercado altamente competitivo, muitos países querem vender alimentos e os que compram são suficientemente inteligentes para exigir qualidade, segurança e preço justo. Alimento seguro significa, pois, um alimento que, além de apresentar as propriedades nutricionais esperadas pelo consumidor, não lhe causa danos à saúde, não lhe tira o prazer que o alimento deve lhe oferecer, não lhe rouba a alegria de se alimentar correta, segura e inteligentemente.
Vários são os componentes responsáveis pela segurança dos alimentos: boa qualidade das matérias-primas; adequada industrialização; distribuição e comercialização bem conduzidas; perfeito sistema de controle de qualidade; legislação alimentar clara e compreensível; esquemas de auditoria e de vigilância sanitária governamentais competentemente sintonizadas com a realidade da região, bem aparelhadas e, sobretudo, compenetradas de seu papel educativo. Mas, ainda não basta para o consumidor receber um alimento com qualidade e segurança sanitária atestadas. É necessário, ainda, contar com segurança em relação a tecnologia utilizada para a sua elaboração, ou seja, manufaturado segundo normas e padrões legais testados e aprovados, como é o caso do emprego de aditivos químicos em doses seguras, da elaboração sem desvios tecnológicos e, sobretudo, sem fraudes de natureza econômica.
Diante de tantos fatores que podem tornar impróprios os alimentos para o consumo, nos últimos anos foram traçadas estratégias de combate às impropriedades, em toda a cadeia de produção, que vão desde as simples e indispensáveis boas práticas de fabricação até os mais sofisticados sistemas de análise de riscos e certificação da qualidade. As autoridades de saúde americanas, muito preocupadas com a questão da qualidade dos alimentos e, principalmente, o que a falta de qualidade pode ocasionar ao consumidor, passaram a denominar de proteção dos alimentos às ações resultantes da interconexão da segurança, qualidade e defesa dos mesmos, esta última mais recente e fundamental para a integração das duas primeiras.
O texto acima é um pequeno extrato do conteúdo que compõe o livro BRASIL: POTÊNCIA ALIMENTAR, coordenado por Antonio Mello Alvarenga Neto, presidente da Sociedade Nacional de Agricultura, e Milton Thiago de Mello, presidente da Academia Brasileira de Medicina Veterinária, os quais tiveram a perspicácia de escrever como especialistas e de reunir num compêndio as questões mais marcantes e desafiadoras de um futuro que já se mostra entre nós e que, se não levadas a sério, farão o mundo mergulhar inapelavelmente no caos da insegurança alimentar.
Sílvia Panetta Nascimento
Marcelo Arruda Nascimento
José Cezar Panetta
Março de 2015
Editoria Científica da Revista Higiene Alimentar, São Paulo
Revista Higiene Alimentar – Vol.29 – nº 240/241 – Janeiro/Fevereiro de 2015
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