Alimentos com boa qualidade e em quantidade suficiente são requisitos básicos para o combate à fome e à insegurança alimentar. No entanto, produzi-los e atender à demanda global crescente representa um grave problema para o ambiente, é um desafio. De fato, segundo o relatório EAT-Lancet sobre Alimentação no Antropoceno, a produção global de alimentos é a principal pressão causada pelos humanos sobre a Terra, ameaçando não só os ecossistemas locais mas a própria estabilidade do sistema planetário. Esse cenário tende a se agravar, na medida em que espera-se um aumento populacional de cerca de dois bilhões de pessoas nos próximos quarenta anos. Embora a produção global de alimentos, do ponto de vista calórico, tenha acompanhado o crescimento populacional nas últimas décadas e as técnicas de processamento e conservação tenham se modernizado, dados anteriores à pandemia indicavam que quase um bilhão de pessoas sofriam com falta de alimento, ou com dietas de baixa qualidade que levam a problemas e doenças diversas como obesidade, diabete, doenças cardíacas. Com a pandemia, a situação se agravou em todo o mundo.
A Declaração de São Paulo sobre Saúde Planetária, um documento redigido pela comunidade global de saúde planetária, por ocasião do 2021 Planetary Health Annual Meeting, organizado pela USP e pela Planetary Health Alliance, também é clara ao lançar um chamado ao setor dos sistemas alimentares, reforçando que eles “estão no centro da saúde planetária em termos de atendimento das nossas necessidades alimentares globais, alcançar a justiça social e diminuir nosso impacto nos sistemas naturais.” E reforça que o modo como esse setor se posicionar e avançar com as práticas agrícolas e as opções de alimentos determinará o futuro da saúde e do bem-estar humanos.
Os sistemas alimentares, que incluem produção, processamento, distribuição, consumo e descarte de alimentos, causam diversos impactos no meio ambiente. A produção no campo causa mudanças do uso do solo (38% da superfície do planeta é ocupada pela agricultura), desmatamento, erosão, poluição do solo e da água por agroquímicos e fertilizantes. Tudo isso afeta a biodiversidade que, ironicamente, seria benéfica para a produção agrícola. O setor também é o principal consumidor de água: cerca de 70% da água doce utilizada vai para a agricultura. Ao longo de todos os demais processos do sistema alimentar outros impactos se somam do ponto de vista de consumo de energia e poluição, por exemplo. O desperdício é outro aspecto a se destacar, pois cerca de 30% dos alimentos são perdidos, segundo a FAO, o que permitiria alimentar cerca de dois bilhões de pessoas.
O setor é ao mesmo tempo um importante agente das mudanças climáticas e será um dos mais afetados, ainda mais se considerarmos os eventos extremos.
Esse cenário mostra que precisamos de mudanças importantes e urgentes em todo o setor. Promover práticas de intensificação agrícola sustentáveis e com capacidade de atender à demanda; promover dietas saudáveis e sustentáveis, mais ricas em alimentos vegetais e com menos alimentos de origem animal; e incluir a visão abrangente de saúde planetária no desenvolvimento de soluções, para reduzir os impactos ambientais e de saúde. Para isso é preciso lidar com a complexidade dos sistemas alimentares. O aumento da demanda de alimentos implica necessidade de alteração da dinâmica das formas de produção correntes. Os Sistemas Agroalimentares precisam evoluir de forma que consigam atender a todas as demandas socioambientais frente às adversidades do futuro. Assim, soluções que promovam tal evolução devem ao mesmo tempo ser resilientes a tais adversidades e coerentes com as demandas socioeconômicas.
As pesquisas no Centro de Inteligência Artificial, em seu desafio AgriBio, desenvolvem métodos e ferramentas inteligentes capazes de gerar modelos que capturem a complexidade desses sistemas a partir de dados de diversas fontes e informações de especialistas de múltiplas áreas. Os modelos integram conhecimento de várias áreas e os apresentam de forma inteligível, com suas fraquezas e forças. A ideia é que profissionais de vários setores possam conversar usando um modelo de entendimento comum, uma representação visual amigável de cenários relativamente complexos. Isso é fundamental para uma tomada de decisão colaborativa entre atores da sociedade de várias áreas importantes, que podem contribuir tanto com a evolução dos Sistemas Agroalimentares quanto com a saúde planetária, e portanto, com a sustentabilidade.
Fonte: Jornal da USP
Por Alexandre Cláudio Botazzo Delbem, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, e Antonio Mauro Saraiva*, professor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) e da Escola Politécnica da USP*
* Membros do GT USP Políticas Públicas de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome
E-mail GT – grupocombatefome@usp.br