A MEMÓRIA DE UM GRANDE MESTRE, PERENIZADA POR LÁUREA QUE ENALTECE A SEGURANÇA SANITÁRIA DOS ALIMENTOS.
José Cezar Panetta (*)
O HOMEM.
Quem conviveu com o Professor Pardi, nas variadas fases de sua vida profissional, certamente lembrará de seu temperamento tranquilo, solidário, seu tom sempre conciliador em face às polêmicas que fatalmente ocorrem no dia-a-dia das instituições. Porém, o mestre ia muito além da simples concordância: com um jeito todo especial de argumentar, que começava por, educada e humildemente, não discordar taxativamente de seu interlocutor mas, ao contrário, e numa voz pausada e calma, expor metodicamente uma série de argumentos que tornava a questão tão cristalina que era impossível ao interlocutor não concordar com ele em todos os sentidos. O saudoso mestre tinha, a um tempo, o caráter do profissional competente, do homem dedicado e abnegado às causas do bem comum, e do professor apaixonado em transmitir sua experiência aos mais jovens.
Graduado em 1936 pela antiga Escola Nacional de Veterinária do Rio de Janeiro, o insigne mestre deixou sua vida e obra indelevelmente inscritas na Medicina Veterinária Brasileira e mundial, em decorrência de um trabalho contínuo, minucioso, competente, sistematicamente desafiador, em prol da qualidade, da sanidade e da segurança dos alimentos de origem animal, desde a matéria-prima e em toda a cadeia de sua produção, industrialização e distribuição à mesa do consumidor. Impressionava sua capacidade em aliar a vasta experiência angariada em anos de trabalho no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com as funções docentes, pois adorava lecionar, transferir sua expertise, sempre rodeado de alunos, de orientados, de colegas que vinham em busca de sua opinião e, ainda, atendendo as solicitações oficiais para participar de comissões, como aquela em que foi relator das Normas Higienicossanitárias e Tecnológicaas para a Exportação de Carnes, de 1965/1966, que determinaram, entre outras providências, a implantação da esfola aérea no abate de bovinos e a desossa em ambiente fechado e climatizado.
Recebeu, em 1983, o título de Professor Emérito da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal Fluminense, após uma vida inteira dedicada à Medicina Veterinária, à causa da Educação, ao serviço público e à saúde da população. Membro da Academia Brasileira de Medicina Veterinária, foi-lhe outorgada pela Presidência da República, em 1988, a Comenda da Ordem do Rio Branco. Seu livro, Ciência, Higiene e Tecnologia da Carne, editado pela Universidade Federal de Goiás, tornou-se um marco em ciência da carne, sendo encontrado invariavelmente em todas as bibliotecas especializadas em alimentos.
Mesmo aposentado, em 1982, Pardi continuou normalmente o seu trabalho, pois este era o objetivo de sua vida, sem jamais interromper o que amava tanto: ensinar, pesquisar, orientar, analisar e julgar a competência dos jovens que se iniciavam tanto na carreira profissional quanto na acadêmica. Formou centenas de profissionais, professores e pesquisadores na área de alimentos, deixou centenas de discípulos e seguidores, que o têm como modelo, como é o caso do ilustre professor Pedro Eduardo de Felício, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da UNICAMP, em Campinas-SP, que é o autor de seu necrológio, de onde foram retiradas informações para compor este texto. Oriundo de Monte Azul Paulista, SP, o querido mestre nasceu em 17 de fevereiro de 1912 e faleceu em 09 de julho de 2005.
O PRÊMIO.
Sempre à frente de seu tempo e sempre cercado de alunos e colegas, que vinham em busca de soluções para questões técnicas e científicas, Mestre Pardi era obcecado por novidades e atualizações acadêmicas. Em 1986, foi eleito Membro da Academia Brasileira de Medicina Veterinária e nos anos seguintes participou de dezenas de congressos, simpósios e reuniões técnicas, tendo sido partícipe e organizador incondicional das antigas Encontros dos Professores de Inspeção Sanitária de Alimentos de Origem Animal, realizadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Botucatu-SP e que atraiam profissionais e acadêmicos de todo o Brasil, em busca justamente dos avanços técnicos nesse segmento.
Durante esses encontros, era corrente entre os participantes a discussão sobre a necessidade técnica da criação de uma entidade que reunisse os médicos veterinários especialistas em alimentos, que os representasse perante os Poderes Constituídos e, sobretudo, que divulgasse o trabalho destes profissionais para a sociedade em geral, uma vez que desde aquela época já se notava profundo desconhecimento da população em relação às funções do Médico Veterinário na área dos alimentos de origem animal e do agronegócio.
As discussões frutificaram e através do trabalho incansável de uma plêiade de profissionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e de professores da Faculdade de Veterinária da UFF e da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, entre os quais cita-se apenas um (além, é claro, do mestre Pardi, para não se incorrer em injustiças provocadas por falhas de memória): o saudoso professor Zander Barreto Miranda, incansável e abnegado idealizador de uma reunião de professores de inspeção que, à semelhança daquelas antigas, reunisse profissionais, alunos e pesquisadores ávidos por discutir a qualidade do ensino, os avanços introduzidos na área de alimentos, as questões atinentes à divulgação dessa área tão importante para a evolução do agronegócio brasileiro.
O intenso trabalho redundou na realização, em 1989, do Primeiro Encontro de Higienistas de Alimentos, realizado no Colégio de Cirurgiões do Rio de Janeiro, reunindo perto de uma centena de participantes e durante o qual foi criado o Colégio Brasileiro de Médicos Veterinários Higienistas de Alimentos, o qual teve como primeiro presidente, eleito por absoluta unanimidade, o Professor Miguel Cione Pardi. O sucesso desse encontro foi tanto que o segundo, realizado em São Paulo, nas dependências da USP, reuniu perto de 600 participantes. Eram os passos iniciais de uma série de encontros, que se repetiriam bienalmente (nos anos ímpares) e que, já em 1997, galgava o status de Congresso Brasileiro de Higienistas de Alimentos e, em 2007, passava a congregar participantes americanos de língua espanhola e passava, então, a se denominar Congresso Latino Americano de Higienistas de Alimentos.
Em todo o contexto desses congressos, emanava um clima de trabalho e solidariedade profissional que chegava a emocionar. E, sem exceção, uma figura sempre ressaltava: a do professor Pardi, solícito com todos, sempre disposto a colaborar, de perto, enquanto sua saúde permitia e, de longe, quando ela começou a se comprometer. Sua colaboração aos congressos foi decisiva para o sucesso que se estabeleceu, de edição em edição, nos anos subsequentes, sempre com número crescente de participantes, a ponto de, no último congresso realizado, em 2019, em Maceió, Alagoas, terem sido inscritos, apresentados e publicados perto de um milhar de trabalhos científicos, compostos na íntegra, os quais perfizeram anais de cerca de 4000 páginas digitalizadas e que se encontram à disposição dos usuários, de forma totalmente gratuita, no site da revista Higiene Alimentar.
Quando surgiu ao professor Zander Barreto Miranda a idéia de que o Colégio deveria outorgar um prêmio, durante os congressos, às personalidades que se destacassem pelo trabalho exercido no campo da inspeção sanitária de alimentos e da segurança alimentar, ressaltou naturalmente o nome do saudoso Miguel Cione Pardi como patrono dessa láurea, condição que se sedimentou e se tradicionalizou, como mostra o quadro de agraciados, desde 1999.
Que se registre gratidão eterna aos idealizadores do prêmio, na pessoa do professor ZANDER BARRETO MIRANDA, ao seu patrono, professor MIGUEL CIONE PARDI, aos organizadores dos congressos de higienistas de alimentos e aos participantes em geral destes eventos, em todos estes últimos anos, desde 1989.
(*) José Cezar Panetta é editor-geral do Portal Higiene Alimentar. Docente aposentado da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP. Membro das Academias Brasileira e Paulista de Medicina Veterinária.
OUTORGA DO PRÊMIO PROFESSOR MIGUEL CIONE PARDI, DE 1999 A 2019, SEGUNDO ANO DO CONGRESSO, LOCAL E AGRACIADO.
1999 – FOZ DO IGUAÇU, PR – GLÊNIO CAVALCANTI DE BARROS (UFRPE)
2001 – GUARAPARI, ES – JOSÉ CHRISTOVAM SANTOS (MAPA – SP)
2003 – BELO HORIZONTE, MG – JOSÉ CEZAR PANETTA (FMVZ – USP)
2005 – BÚZIOS, RJ – CLÁUDIO ROBERTO TAVARES DE ALMEIDA (OPAS – OMS – ONU)
2007 – PORTO SEGURO, BA – ELMO RAMPINI DE SOUZA (FV – UFF)
2009 – FLORIANÓPOLIS, SC – CARLOS ALBERTO MUYLAERT LIMA DOS SANTOS (FAO – 0NU)
2011 – SALVADOR, BA – CARLOS WILSON GOMES LOPES (UFRRJ, Seropédica, RJ)
2013 – GRAMADO, RS – RONON RODRIGUES (FV – UFMG)
2015 – BÚZIOS, RJ – EDUARDO BATISTA BORGES (MAPA – RJ)
2017 – FORTALEZA, CE – ZANDER BARRETO MIRANDA (FV – UFF, in memorian)
2019 – MACEIÓ, AL – GERMANO FRANCISCO BIONDI (FMVZ – UNESP, Botucatu, SP)
O Prêmio Miguel Cione Pardi é outorgado durante os Congressos de Higienistas de Alimentos, a personalidades médico-veterinárias que se destacaram nas atividades de inspeção sanitária e segurança de alimentos de origem animal.
O Prêmio Miguel Cione Pardi, outorgado durante a realização dos congressos de Higienistas de Alimentos, patrocinados bienalmente (nos anos ímpares) pelo Colégio Brasileiro de Médicos Veterinários Higienistas de Alimentos.
Últimas postagens deRevista Higiene Alimentar (veja todos)
- PROTEÍNAS SUSTENTÁVEIS DAS ALGAS MARINHAS PODERÃO ESTAR NO SEU PRATO - 19 de novembro de 2024
- TESTAGEM RÁPIDA DO VERMELHO-CONGO PARA PRESUMIR ADESÃO DE PSEUDOMONADAS APÓS EXPOSIÇÃO À IRRADIAÇÃO DE LED AZUL (460 NM) - 14 de novembro de 2024
- CARACTERIZAÇÃO FISICO-QUÍMICA E MICROBIOLÓGICA DE IOGURTE PRODUZIDO COM FARINHA DE BAGAÇO DE MALTE E Lactcaseibacillus casei - 11 de novembro de 2024