Nesta última década, a internet mudou a vida e a gestão dos negócios, transformou as relações econômicas e sociais e diminui as distâncias entre as pessoas de diversos continentes. De fato, tornou-se a mídia de comunicação mais popular. Estar fora da rede é quase não estar no planeta terra.
Pode-se afirmar que, após a era da imprensa, rádio e a televisão revolucionaram o compartilhamento de informações, mas, de modo geral, eram um caminho de mão única, apenas se transmitiam. Já a rede mundial permite receber, mas também transmitir. Isto criou um ambiente que alterou profundamente os meios de comunicação entre os indivíduos, tornando possível consolidar novos laços sociais, incentivar novos comportamentos e estabelecer comunidades específicas.
O acesso à internet também tem crescido, muitos que achavam que nunca entrariam numa rede social, por exemplo, sentiam-se excluídos e até pessoas com pouquíssima afinidade com informática encararam os smartfones, afinal precisam estar no planeta.
Este cenário também se consolidou no meio rural. As redes sociais, de fato, aproximaram as pessoas. Há grupos de trocas de mensagens que são o maior meio de comunicação entre muitos destes moradores do campo. É um olho na lida e outro no celular. Pode ser tratando os suínos ou selecionando as variedades para serem plantadas. Uma dúvida em uma dosagem vira uma mensagem no grupo, ou uma linda bezerra, que nasceu com uma estrela no chanfro, vira uma postagem super comentada e elogiada.
E elas também resolveram se unir, pode-se afirmar que há um movimento, ainda não tão ruidoso, de diversas mulheres que atuam no agronegócio interagindo fortemente. Como também sou uma pessoa muito “plugada”, faço parte de alguns grupos de troca de mensagens e participo intensamente nas redes sociais, queria saber mais sobre este fenômeno. Algo que havia percebido: elas estão cada vez mais conscientes de seus papéis e querem ser representadas e ouvidas.
Para que eu pudesse colher alguns destes depoimentos que leio, criei um formulário e solicitei que preenchessem. Foquei nas mulheres que atuam na pecuária leiteira, já que é uma área a qual estou muito próxima. Para minha surpresa, mais de uma centena, destas mulheres, respondeu. Não foi exatamente uma pesquisa, mas apenas uma forma de compilar o sentimento e demanda destas mulheres. Tive respostas de meninas de 15 a senhoras de 54 anos. Todas bem informadas e buscando o melhor da vida no campo.
Os depoimentos são intensos e demonstram que elas gostam do trabalho na pecuária, por permitir uma vida mais saudável e um maior contato com os filhos. Muitas afirmaram que a rentabilidade no campo é maior do que se estivessem numa atividade na cidade. Sente-se felizes por trabalhar no campo e o amor aos animais também é muito citado.
Estas mulheres estão conectadas, preocupadas com o valor do seu produto e exibem orgulhosas os resultados laboratoriais do leite. Elas citam o leite 4.0, querem inovações e buscam intensamente conhecimento e aprimoramento de técnicas para melhorar o bem-estar animal e a produtividade. Entre as respondentes, Maiara Lohmann Neuberger, produtora do Rio Grande do Sul, que está numa propriedade com 100% mão de obra familiar, buscou ficar no campo para trabalhar e conseguir conciliar os cuidados da filha. Mas, não deixou de investir em conhecimento, está fazendo uma pós-graduação e quer mais tecnologia no campo.
Nascida em Ijuí, Jaqueline Paim Ceretta, que é filha única, teve oportunidade e se formou em Química. Estava trabalhando em indústria Láctea no setor de Qualidade. Mas, apesar da experiência ela não estava satisfeita. Assim, resolveu voltar para a propriedade para trabalhar com os pais. Ela desafiou a tradição da região, onde o sucessor é sempre um filho homem. Além disto, a propriedade tinha pouco mais de 15 animais, uma conta bancária no vermelho e a produção próxima a 180 litros dia. Superando os preconceitos e até o descrédito dos seus pais, Jaqueline arregaçou as mangas e viu que estava no caminho certo quando seu pai a questionou se havia esquecido de pagar boletos, pois, estava sobrando dinheiro na conta corrente. Neste momento, ela sentiu a consolidação de uma equipe muito especial: pai mãe e filha. Passados menos que 5 anos, a Agropecuária Ceretta tem 43 animais no total, produz quase 800 litros de leite por dia, e pode exibir resultados de CPP e CCS baixos, com sólidos altos e excelente média de produção por vaca e por área. Jaqueline se encontrou na profissão, hoje é um modelo na região.
Rosemary de Best Aplewicz, tinha formação em psicologia, mas não estava atuando na área, quando seu pai anunciou que iria parar de produzir leite. Ela repensou e resolveu assumir a propriedade. “Sempre digo que foi como uma luz que veio à minha mente, quando eu estava indo me deitar, logo após colocar minha filha no berço, pensei, por que não eu?”, cita Rosemary. Muitas mulheres já assumiram este protagonismo e sim, por que não elas? Para esta produtora, a atividade não é uma simples “leiteria”, mas sim, uma pequena empresa. Na qual pode ter qualidade de vida, proporcionar isto aos filhos e pode ajudar outras famílias, oferecendo trabalho e a vivência do dia a dia. Elas pensam muito além da receita do cheque do leite.
Após finalizar a faculdade de educação física, Karen Viana, que é filha de produtores de leite, cresceu ajudando a ordenhar e a tratar os animais, viu-se desafiada quando se deparou com uma vaca com problema de casco, que tinha sido descartada. Após conseguir cuidar do animal, sob promessa que se conseguisse iria prosseguir na atividade, ela e o namorado iniciaram a produção. Dos dez litros diários, que marcaram o início, hoje produzem 600. Mas o plano, para o curto prazo, é dobrar este volume. Para Karen, a produção de alimentos é uma das mais lindas profissões, ela sente orgulho e motivação em fazer parte da população que sustenta e alimenta uma nação.
Lariane Bombo, que é nascida em São Paulo, com formação técnica em metalurgia, após o casamento e mudança para o Paraná, encarou o desafio de trabalhar na produção de leite. Como não tinha afinidade com o tema, buscou fazer cursos e se aprimorar, afinal a lida com os animais era algo muito distante. Hoje se diz realizada, é seu próprio chefe, mas reforça que as vacas são as patroas. E elas retribuem a dedicação com uma produção boa. Caso os resultados não sejam os esperados, ela procura relatórios e entender o que aconteceu, sente que está sempre aprendendo. Comemora cada bezerra nascida. Para Lariane, a vida no campo proporciona muita tranquilidade, e diz que se encontrou profissionalmente. Mas, gostaria de mais facilidade para investimentos em tecnologias e reconhece que a internet ajuda a encontrar novas alternativas para a pecuária leiteira.
Muitas citaram o casamento como o momento que encararam a produção de leite. Este é o caso de Eliziane Basi, que após o matrimônio saiu da cidade e foi para o campo. Hoje sente-se muito feliz em acompanhar o nascimento de uma bezerra saudável no seu plantel, fruto de todo um trabalho com os animais. Mas ainda cita muito preconceito por ser mulher, pois, para Eliziane ainda há um estigma de que as mulheres não possuem capacidade para a atividade.
Algo que todas demonstraram é a utilização de redes sociais, o Facebook é a preferida entre as que responderam. Isto é fácil de verificar pelos grupos e páginas de Mulheres do Agro, nesta rede social, que contam com milhares de curtidas e membros. A página Agro Mulher Brasil coleciona mais de 70 mil seguidoras e o grupo Mulheres do Agro outros milhares de membros. Elas interagem e sentem prazer em postar fotos das atividades de trabalho. O WhatsApp também é utilizado e o Instagram tem crescido, especialmente entre as mais jovens.
Como elas são plugadas, a grande maioria acredita que aplicativos e plataformas digitais são importantes na pecuária.
A forma de se comunicar com estas mulheres foi pela internet, assim, era esperado que elas respondessem mais facilidade em acessar a rede. Quando questionado se há acesso fácil da propriedade, menos de 5% responderam que não.
Segundo pesquisa do IBGE, dados de 2016 e 2017, os últimos que estão disponíveis, o acesso no campo ainda é menor. Em média só 39%. No entanto, as mulheres são as que mais utilizam, quase 42% delas acessam a rede. Estes dados já devem ter aumentando.
Os dados do IBGE, da pesquisa de 2016 a 2017, demostram que há uma diferença de acesso conforme a região do Brasil, assim como, ainda há menos acesso no campo que na cidade.
Estas mulheres querem estar ao lado de suas famílias, trabalhando e cuidando de seus lares. Mas querem ser reconhecidas também. Uma delas me confidenciou por mensagem e solicitou não ser identificada, mas questionou a entrega de prêmios da cooperativa “por que sempre chamam apenas o meu marido? Eu também trabalho junto, sou quem mais tira o leite, cuido muito da higiene, mas só ele recebe o prêmio”.
Thalyane Rodrigues, que está finalizando o curso de medicina veterinária, corrobora deste pensamento, ela cita que precisa valorizar a mulher, mostrando o quanto elas fazem parte da produção e o quanto são importantes para o sucesso da propriedade. Thalyane enfatiza “é evidente que quando as mulheres se fazem presente na tomada de decisões o sucesso na produção de leite é maior. O toque feminino a detalhes como fazer o trato separado de cada animal em baldinhos identificados, possibilita uma nutrição de precisão que, muitas vezes, para o homem “era difícil de fazer” e, que, no final, apresenta excelentes resultados no aumento da produção e diminuição de custos”. A sugestão é que a mulher seja envolvida durante os atendimentos dos técnicos e, também, lembradas quando há algum reconhecimento de produtividade ou qualidade por parte do laticínio, por exemplo.
Patrícia Valcarenghi, do município de Cerro Grande, no Rio Grande do Sul produz suínos, durante algumas conversas no grupo comentou sobre a dificuldade com alguns representantes “eles chegam na propriedade e pedem para falar com meu marido, ele não trabalha no sítio, mas alguns não querem negociar comigo”. Em um atendimento que fiz, para implantação de boas práticas em suinocultura, deparei-me com uma placa (de modo geral, na entrada dos galpões de sistemas de integração, há o nome do produtor) que constava o nome de ambos. Como é algo bem raro, perguntei para a criadora sobre o nome dela estar na placa. Ela rapidamente respondeu que a integradora tinha enviado com o nome apenas do marido, mas a terra era dela, por herança, e o galpão tinha sido um financiamento no nome dela, assim, ela queria também queria ser lembrada. Algo muito justo mesmo.
E, para homenagear estas mulheres, a plataforma Milk Wiki criou um e-book (clique aqui para baixar), citando os resultados e, também, diversos pensamentos e ideias destas mulheres, claro, recheando com as lindas fotos que elas enviaram. As Mulheres do Agro não são aquelas colonas dos desenhos e filmes de antigamente, elas estão preocupadas com os números da propriedade, com a colostragem adequada e, também, com o esmalte que irão utilizar para a saída de sábado à noite.
Últimas postagens deRoberta Züge (veja todos)
- Pensar em saúde única: a única saída - 23 de setembro de 2021
- O AC/DC dos negócios - 28 de maio de 2020
- Quando se fale em qualidade da produção, elas precisam ser mais ouvidas - 10 de fevereiro de 2020