As características de qualidade da carne bovina que influenciam, em ordem de preferência, na decisão de compra do consumidor são: cor, maciez, sabor, suculência
e a maciez é um dos quesitos que mais apresenta variabilidade e se destaca como o principal fator de palatabilidade no momento do consumo e tem papel decisivo na satisfação e re-compra.A maciez é percebida durante o processo de mastigação, em um conjunto de sensações organolépticas entre as quais a resistência à pressão do dente e da língua, a aderência, a capacidade de fragmentação da carne e a quantidade de resíduos após a mastigação, podem ser destacadas.
A maciez final da carne é definida em dois momentos: antes do abate, que é dita como maciez intrínseca, ou seja, não é passível de modificação; e depois do abate, durante o processo de rigor mortis e na fase de proteólise das miofibrilas que ocorrem durante processos de maturação comercial.
Em análises laboratoriais é possível mensurar a maciez da carne através de um aparelho chamado Warner-Bratzler Shear Force que mede a força necessária para o rompimento das fibras. O valor expresso em KgF (quilograma-força), quanto menor, menos força necessária para o rompimento das fibras e consequentemente mais macia é a carne.
Os fatores que podem afetar a maciez da carne são:
Genética;
Idade de abate;
Quantidade e solubilidade do tecido conjuntivo;
Espessura e tamanho do sarcômero;
Sistema de produção;
Nutrição;
Condições de abate;
Rigor-mortis
Neste texto, falaremos especificamente da relação entre maciez e enzimas capazes de hidrolisar (quebra de fibras em meio aquoso) proteínas que estão envolvidas no processo de maturação da carne: as catepsinas e as calpaínas.
As catepsinas são também denominadas de proteases ácidas pois possuem atividade máxima em pH’s menores que 6. As catepsinas, além de degradar as proteínas miofibrilares (proteínas presentes nas fibras musculares), elas também exercem atividade sobre o colágeno presente no músculo. Durante a maturação, a quantidade de colágeno solubilizado torna-se maior justamente pela ação proteolítica das catepsinas.
Já as calpaínas também são conhecidas como proteases neutras pois possuem atividade ótima em ph neutro (7,0 a 7,5), em temperatura entre 10 e 25°C e são dependentes de Cálcio. Além de também degradarem as proteínas miofibrilares (proteínas presentes nas fibras musculares), atuam na degradação da linha Z (delimitador da unidade funcional das miofibrilas – sarcômero).
As calpaínas formam um complexo enzimático e sua atividade está diretamente relacionada à melhoria da capacidade de retenção de água em carnes pelo fato de que, por degradarem proteínas, promovem ligações entre as miofibrilas e estas ligações levam ao aumento do diâmetro da fibra no post-mortem, o que faz com que menos água seja liberada na região extracelular entre fibras e feixes de fibras (chamados de canais de gotejamento), o que diminui a exsudação do músculo.
A calpaína age na degradação das fibras musculares, causando um enfraquecimento da estrutura muscular, levando ao amaciamento da carne. A calpastatina, que também faz parte do complexo enzimático, tem função inibitória da calpaína. A interação das enzimas é dependente da concentração de cálcio e quando formado o complexo enzimático calpaína-calpastatina, há inativação da calpaína, impedindo a continuação da degradação das fibras musculares.
Durante o rigor mortis, ocorre o abaixamento do pH (acidificação) devido a transformação de glicogênio em ácido lático. Entretanto, se o músculo de tornar ácido demais (abaixo do limite ideal de 5,4), ocorre a inibição da atividade das enzimas e com isso o encurtamento excessivo das fibras, o que torna a carne mais dura e com menor capacidade de retenção de água (a carne se torna mais seca).
Sabendo disso, conhecer a relação entre calpaínas x calpastatina é fator importante para se avaliar a maciez da carne. Estudos demonstram que animais de genótipo Bos indicus apresentam maiores concentrações de calpastatina quando comparados a Bos taurus. No mesmo estudo indicaram a variabilidade de 15% na Maciez da carne bovina devido às diferenças de marmoreio e colágeno e 85% da variabilidade da maciez está ligada às transformações no post mortem.
É por esse motivo que é possível se deparar com uma carne altamente marmorizada, porém não tão macia e por isso podemos afirmar que marmoreio não garante maciez. Dentre vários os fatores relacionados ao post-mortem, o principal limitador de maciez de uma carne está ligado à genética do animal, que por sua vez denomina a relação do complexo enzimático calpaínas-calpastina.
Fontes:
FELÍCIO, P. E. Qualidade da Carne Nelore e o Mercado Mundial, 2000.
FEIJÓ, G. L. D. Noções de ciência da carne. In: Conhecendo a carne que você consome: Qualidade da carne bovina, 1999.
DIAS, V. A. D. Expressão das proteínas calpaína e calpastatina e suas relações com a qualidade da carne de bovinos da raça nelore, 2016.
GOMIDE, RAMOS E FONTES. Ciência e Qualidade da Carne – Fundamentos, 2012.
LOPES, L. S. Diferença entre animais Bos indicus e Bos taurus e sua influência sobre a qualidade da carne, 2010.
Texto: carne com ciência
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