O AUMENTO DA PRODUTIVIDADE FRENTE ÀS RESTRIÇÕES ALIMENTARES.

É fato consumado que, em função do aumento do consumo pelos países em desenvolvimento, aliado ao crescimento populacional, haverá necessidade de se ampliar a oferta de alimentos para o futuro. Para tanto, a agricultura deverá aumentar sua produção em 60% nos próximos 40 anos, conforme recente relatório divulgado pela FAO. Efetivamente, a questão do aumento da produção de alimentos já foi abordada em editoriais anteriores; nessas, porém, a discussão dirigiu-se à escassez dos recursos, uma preocupação premente, considerando-se as limitações do planeta e as demandas por energia.

Volta-se, agora, à mesma questão, uma vez que as projeções demonstram que o consumo de alimentos ainda aumentará; entretanto, o debate agora recai sobre a questão das restrições alimentares, ou seja, não basta produzir mais, é preciso atender aos diferentes mercados, que, a cada dia apresentam novas exigências e particularidades, as quais acabam por interferir também na velocidade de produção de alimentos.

Certos mercados já restringem algumas formas de produção de alimentos consideradas as mais produtivas. É o caso da restrição adotada pela União Européia, proibindo a comercialização de ovos obtidos por meio do sistema denominado como produção intensiva, onde as poedeiras são criadas em gaiolas em bateria. Em vigor desde 1º de janeiro de 2012, a Diretiva 1999/ 74/ CE, que visa o bem estar animal, determina que os ovos sejam provenientes de poedeiras criadas em uma área mínima de 750 cm² por ave. A indústria de produção de ovos da UE, contudo, dispôs de 12 anos para se adaptar a essa Diretiva, e contou com fundos de desenvolvimento rural para a adequação do sistema de criação.

A demanda por alimentos orgânicos é outro exemplo de que o aumento da produção de alimentos deverá ser obtido através de alternativas tecnológicas que aliem a produtividade à sustentabilidade. Apesar dos índices de produtividade no sistema orgânico nem sempre atingirem o obtido no sistema convencional, considerando-se que 25% das terras utilizadas na agricultura encontram-se em preocupante estágio de degradação, conforme apresentado no relatório da FAO, o uso de técnicas verdes de produção será fundamental.
Na produção de carnes as restrições são antigas. Vale lembrar da controvérsia, ainda sem solução, entre EUA e Comunidade Européia em relação ao uso de hormônios na criação de bovinos. A substância permitida nos EUA não é aceita na Comunidade Européia gerando uma disputa comercial sem uma solução definitiva.

O Brasil acaba de autorizar o uso de substâncias promotoras de crescimento para bovinos de corte em fase de terminação, por meio da Instrução Normativa nº 55/ 2011(2). A alteração foi motivada e demandada pelo setor privado, para permitir o uso de novas ferramentas tecnológicas na produção animal, visando a melhoria do desempenho, ou seja, aumentar a produtividade. Em carta dirigida ao Secretário de Defesa Agropecuária, no entanto, a União Européia informou que sua legislação interna não permite o uso das substâncias agora aprovadas no Brasil e solicitou esclarecimentos sobre o sistema de segregação (split system) a ser utilizado na produção de bovinos destinados à exportação aos países membros da UE. Cabe ao Brasil, implantar mais um sistema que garanta o atendimento a esse exigente mercado.

Campeã nas restrições a sistemas produtivos, a União Européia tem entre seus membros alguns países que proíbem a comercialização de produtos transgênicos, tecnologia defendida por algumas organizações, como a ONU, para ajudar a enfrentar os desafios do aumento da produção de alimentos e seu acesso à população.
Além das restrições relacionadas aos sistemas produtivos, cabe ainda citar aquelas de caráter cultural ou religioso, como os produtos kosher (termo que descreve o alimentos produzido de acordo com as leis judaicas) e halal (termo que designa os alimentos autorizados pela lei islâmica, a Sharia). Estas, muitas vezes também acabam por interferir nos processos produtivos, uma vez que restringem ingredientes e alteram operações do processo. No entanto, são mercados social e economicamente importantes. Os consumidores de produtos halal somam1 bilhão e oitocentos milhões de muçulmanos no mundo. No setor avícola 36% das exportações brasileiras são de frango halal. Atender a esse gigantesco mercado é mais um desafio na produção de alimentos.
Alergias, intolerâncias e doenças também acabam por interferir nas tecnologias de produção usuais e requerem aplicação de técnicas específicas que, muitas vezes, acabam por dificultar a produção maciça de alimentos. Enquanto o setor produtivo busca novas tecnologias para produzir mais com menos, outras restrições vão surgindo e interferindo nos custos de produção e na produtividade em si, implicando em novos estudos que conciliem o atendimento aos mercados com produção suficiente para atender à crescente demanda por alimentos.
Além de buscar práticas que melhorem os rendimentos e aumentem a eficiência, a pesquisa será fundamental para incorporar os valores culturais, sociais, econômicos e ambientais à cadeia produtiva dos alimentos.

ALIMENTOS ARTESANAIS

Outro assunto sempre na pauta de preocupações das autoridades sanitárias diz respeito aos alimentos elaborados de maneira artesanal. É interessante o significado que se dá, atualmente, ao termo artesanal: de um lado, algo elaborado com arte, produto do artesanato; de outro, algo de valor inferior, produzido através de uma via de menor tecnologia, com instalações e instrumentação mais simples. Neste último sentido, algo desprestigiado, acima de tudo quando comparado ao produto industrializado, fabricado segundo técnicas mais sofisticadas, melhor trabalhadas e certificadas. Assim, com certa freqüência, ouve-se: “Isso (o que foi produzido) não é bom, é rudimentar, é apenas artesanal”, para referir um produto menos sofisticado, oriundo de elaboração mais simples, menos tecnificada.

É preciso reconhecer, todavia, a importância logística da pequena produção, aquela referida como artesanal, pois num país continental como o Brasil ela acaba ocupando lugar preponderante no abastecimento de alimentos à população, fazendo com que o governo a incremente, particularmente por razões sociais. Portanto, como delimitar a linha de risco, entre a necessidade do processo artesanal e o mínimo necessário que tais produções devem apresentar, notadamente do ponto de vista higiênico e sanitário. É preciso sempre considerar esta questão. Neste exemplar, os leitores encontrarão trabalhos cujo objetivo é, justamente, medir o grau de risco dos produtos artesanais e, também, comparar as diferentes condições de fabricação entre os artesanais e os industriais. Dada a importância de que se revestem tais alimentos, e as preocupações suscitadas, a Redação julga pertinente voltar ao assunto nas próximas edições.

Sílvia Panetta Nascimento

Editora científica da Revista Higiene Alimentar.

Docente titular da Faculdade de Tecnologia de Itapetininga, SP, Fundação Paula Souza.

redaçao@higienealimentar.com.br

Revista Higiene Alimentar – Vol. 26 – nº 210/211 – julho/agosto de 2012

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