A carne moída convencional que é vendida em açougues precisa ser moída na frente do consumidor, pois esta é a garantia de que o pedaço escolhido foi o que realmente foi moído. Esta conduta deve ser seguida pelos comerciantes obrigatoriamente, uma vez que é determinada pela legislação.
Porém, na década de 90, uma grande empresa supermercadista de origem francesa, queria desenvolver um produto similar em suas lojas, mas que fosse produzido no açougue sem a presença do consumidor e exposto embalado e rotulado. Para tanto, apresentou um projeto piloto que seria desenvolvido primeiramente em uma loja e, depois da avaliação técnica e econômica, implantado nas demais.
Esse projeto sem dúvida era, como ainda é hoje, uma evolução na comercialização desse tipo de produto, pois contaria com instalações específicas para a atividade, climatizadas a zero grau, com disposição do lay out semelhante à encontrada nas indústrias, com bloqueio sanitário, camâra para matéria prima e outra para o produto pronto, depósito de embalagem, local para higienização de utensílios e tudo o mais necessário para manter a segurança do alimento durante a produção.
Mais ainda, o estabelecimento teria que seguir a legislação estadual de inspeção industrial, com a instalação do serviço de inspeção em cada loja, por caracterizar uma atividade tipicamente industrial, pois o produto seria obtido sem a presença do consumidor, o volume de produção seria expressivo e as embalagens deveriam ser rotuladas, conforme determina a inspeção, com indicação de validade, composição nutricional e as demais obrigações requeridas.
Assim foi feito, várias lojas da empresa em pouco tempo foram adequadas à nova estrutura e, as novas, já incluíam nos projetos as instalações para produção da carne moída homogeneizada. Com a evolução deste tipo de negócio, outras empresas seguiram o mesmo caminho, adaptando suas unidades para a produção e venda deste tipo de produto. O consumo de carne moída no Brasil tem caráter nacional, dada a variedade culinária que a utiliza como ingrediente. Esta revista tem publicado, com freqüência, artigos e pesquisas acerca de sua utilização e de seus riscos, o que traduz a preocupação dos profissionais e das autoridades sanitárias em relação, particularmente, à qualidade do produto.
Que vantagens o consumidor teria em comprar a carne homogeneizada ao invés da moída convencional? Para se ter uma ideia real é preciso começar pelos aspectos da produção que é padronizada, ou seja, existe receita básica para obtenção do produto, que tipo de carne, teor de gordura, temperatura da moagem. A carne, que pode ser do traseiro ou dianteiro bovino, retirada as aponevroses e o excesso de gordura, é cortada em cubos e colocada no homogeinizador para primeira moagem; em seguida, de forma contínua, a carne moída sai em outro homogeinizador para, em seguida, ser novamente moída, resultando em produto com aspecto uniforme, pois a gordura presente na carne foi adequadamente misturada, conferindo um aspecto e cor realmente homogêneos. Ao sair do bocal do moedor, o produto obtido é acondicionado em bandejas que são envolvidas com material plástico transparente e depois rotuladas, seguindo para a câmara de produto pronto. Em toda a cadeia de produção, portanto, desde o início da moagem até o envio para a câmara de produto pronto, a matéria prima tem sua temperatura monitorada abaixo de 5ºC, evitando, assim, perda de qualidade, tanto sensorial quanto higienicossanitária.
Outro ponto altamente positivo é a possibilidade do consumidor poder optar por uma carne com mais ou menos gordura, através da identificação no rótulo, seja de 5% a 7% ou de 8% a 10%, teores esses monitorados por equipamentos próprios de medição. Para a carne moida convencional, a quantidade de gordura dependerá do balconista, o qual poderá limpar (remover a gordura) mais ou menos a carne, colocando-a num moedor que, não se tem certeza, foi ou não convenientemente higienizado, se contém internamente resíduos provenientes de operações anteriores e se a carne, uma vez moida, foi colocada em material adequado para embalar. Sem falar na situação higiênica do ambiente, na temperatura do local e da própria carne no ato da moagem.
Não obstante tais considerações, a Vigilância Sanitária, em várias situações de fiscalização, mesmo reconhecendo a grande diferença entre a produção de uma e outra e a qualidade da carne moída homogeneizada, por força de não ter uma legislação atualizada que contemple a tecnologia deste tipo de produto, acaba punindo os estabelecimentos por não moerem a carne na presença do consumidor. Ora, a carne moída homogeneizada já vem sendo comercializada há muito tempo para ter passado desapercebida das autoridades sanitárias, as quais, ao invés de punir deveriam incentivar outros estabelecimentos a adotarem condições higiênicas mais apropriadas para obtenção desse tipo de produto.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, através do Departamento de Inspeção dos Produtos de Origem Animal, também conhecido como Serviço de Inspeção Federal (SIF), tem legislação específica para a produção de carne moída congelada, nos frigoríficos inspecionados, obrigando a estes estabelecimentos ter controles rígidos de qualidade que garantam a segurança do alimento.
Para a produção da carne moída homogeneizada, as condições estabelecidas originalmente e acima descritas, são compatíveis com as exigidas pelo SIF, validando, portanto, a segurança do processo da sua obtenção que, aliás, poderia ser ratificado pela Vigilância Sanitária, padronizando esta prática no país. Avaliando tecnicamente os perigos oferecidos pela carne moída e os riscos das doenças que pode vir a causar, seguramente a idéia de adotar procedimentos mais seguros para a população, como os utilizados para a carne moída homogeneizada, seriam decididamente estimulados como forma de priorizar a saúde, ao invés de exigir-se tão somente uma atitude (a presença), no momento da compra.
Por outro lado, a literatura especializada é farta em trabalhos, muitos publicados nesta mesma revista, demonstrando os perigos e as condições de açougues, feiras, mercados, que vendem carne moída, com indicações claras dos riscos a que a população vem sendo exposta. O fato de uma pessoa ter o poder de escolha do segmento de carne no momento da compra, não confere nenhum outro atributo relacionado à qualidade, deixando o critério segurança do alimento em plano inferior, fato que do ponto de vista sanitário pode contribuir para a manutenção da baixa condição higiênica dos açougues, salvaguardadas honrosas exceções.
Ricardo Moreira Calil, dezembro de 2012.
Médico Veterinário Sanitarista, Fiscal Federal Agropecuário, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, SFA-SP; Doutor pela Universidade de São Paulo; Docente titular das disciplinas de Tecnologia e Higiene e Inspeção Sanitária de Produtos de Origem Animal, das Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo. Autor dos livros “Aditivos nos alimentos” e “Campilobacterioses: o agente, a doença e a transmissão por alimentos”.
Revista: Higiene Alimentar – Vol. 26 – nº 212/213 – setembro/outubro de 2012
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