A produção de alimentos é um tema complexo por abranger variadas ações com atributos os mais diversos, compreendendo aspectos relacionados às tecnologias empregadas, produtividade, valor nutricional, qualidade, segurança, sustentabilidade, comércio justo (fairtrade), bem-estar animal, entre tantos outros, abordados sob diferentes ângulos e pontos de vista.
Cada um desses conceitos estende-se a outros tantos que fazem da produção de alimentos uma atividade cada vez mais profusa e, justamente por englobar práticas as mais diversas, requer a regulamentação de todas elas, a fim de garantir aos consumidores alimentos nutritivos, de qualidade e seguros e assegurar à sociedade práticas justas e ambientalmente corretas, as quais não venham a comprometer a própria produção de alimentos no futuro.
Em toda produção de alimentos são necessários registros e autorizações para o início da produção e ainda há todo o controle e fiscalização da produção, bem como do produto. Os órgãos do governo responsáveis por todo esse processo, desde o registro até a fiscalização, têm tido dificuldades para atender a toda a demanda, já que, considerando-se, por exemplo, produtos de origem animal, cada produto necessita de um registro e, portanto, de todo um processo para sua aprovação antes mesmo do início da produção.
Visando reduzir a burocracia e agilizar os serviços, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, lançou o Programa Agro+, o qual tem dois eixos: Modernização e Desburocratização e o Marco Regulatório do Plano de Defesa Agropecuária. Para tanto, o Mapa acelerou a implementação do Manual do Boas Práticas Regulatórias de Defesa Agropecuária, priorizou as demandas de automação desta área e deu celeridade à revisão de normativas da Defesa Agropecuária.
Isso está sendo feito por meio de portarias e instruções normativas para reorganizar e fortalecer a tramitação de normas. Entre outras medidas, está a Atualização do RIISPOA – Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, de 1952, cuja revisão aguarda há anos para ser implantada e é fundamental para o controle da produção. Não foi diferente com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, que já em 2010, liberou de registro várias categorias de alimentos, visando concentrar esforços para o controle sanitário dos alimentos.
Assim, foi mantida a obrigatoriedade de registro apenas para os produtos considerados de maior risco à saúde. Segundo os responsáveis, são ações voltadas à maior eficiência, focadas na análise e fiscalização dos alimentos, já que o modelo tradicional não surtia os efeitos esperados e, portanto, urgia algo a ser feito.
Desde então, em relação aos alimentos sujeitos à fiscalização da ANVISA, apenas aqueles com alegação de propriedade funcional e ou de saúde, alimentos infantis, alimentos para nutrição enteral, novos alimentos, novos ingredientes e substâncias bioativas e probitóticos isolados com alegação de propriedades funcional e ou de saúde, continuaram com obrigatoriedade de registro junto à Anvisa, conforme RDC 27/2010.
Para os demais dispensados de registro, é necessário apenas apresentar a documentação exigida junto à autoridade sanitária local e aguardar a visita da vigilância sanitária, a qual realizará a inspeção nas instalações, a fim de verificar as condições de produção do alimento para autorizar ou não sua produção. Na esfera estadual também vêm ocorrendo mudanças e alguns estados já apresentaram novas práticas, como o Programa de Modernização e Desburocratização da Agricultura – Agrofácil São Paulo, implantado em novembro de 2016, para simplificar a atividade no campo e possibilitar que as cadeias produtivas continuem sendo destaque econômico, social e ambiental. São Paulo também lançou o Agro+SP, etapa estadual do programa do Mapa, viabilizando a confluência de esforços das esferas federal e estadual em nome de uma produção ainda mais dinâmica e ambientalmente equilibrada. C
ada vez mais são necessárias ações que facilitem a produção de alimentos, sem prescindir da segurança. A legislação, por si só, não se traduz em ação se não houver um sistema que fiscalize o estabelecido nas leis, normas e regulamentos. No Brasil, entretanto, a fiscalização tem se mostrado muito vulnerável, fato constatado em diversas situações, tais como a denominada Operação Pasteur, em 2014, que revelou o pagamento de propina a servidores do MAPA pelas indústrias de leite que deveriam fiscalizar.
Esta ocorrência motivou uma alteração no sistema e, por determinação do Ministro da Agricultura, a superintendência no Rio Grande do Sul deverá promover o rodízio dos encarregados da inspeção sanitária e fiscalização nas empresas, evitando a longa permanência dos servidores em uma só empresa.
Fatos como o citado, demonstram a necessidade de uma completa reforma do sistema de controles na produção de alimentos visando realmente alcançar o estabelecido no artigo 196, da Constituição Brasileira: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Nota-se, entretanto, que a dificuldade em atingir essa condição, também é causada pela existência de conflito de atribuições entre órgãos envolvidos na fiscalização e controle da produção de alimentos no Brasil. Mesmo considerando-se uma divisão inicial, onde o MAPA é responsável pelo controle da produção de alimentos de origem animal e a ANVISA pelos produtos de origem vegetal, verifica-se a complexidade do sistema quando toma-se como exemplo a produção de bebidas (inclusive sucos de frutas), atividade sob a reponsabilidade do MAPA, embora a produção de água mineral e açaí processado seja regulada pela ANVISA.
Verifica-se situação conflitante também na produção de doce de leite, produto de origem animal e, portanto, sob controle do MAPA, no entanto, determinado percentual de frutas misturados a esse doce acarreta a possibilidade de ser fiscalizado pela Vigilância Sanitária, órgão vinculado à ANVISA.
A complexidade aumenta quando, tratando-se de produtos de origem animal, o âmbito de comercialização (municipal, estadual ou federal) determina a qual serviço (SIM, SIE, SIF) deverá ser submetido e, consequentemente, qual lei deverá orientar a produção, ainda que se trate de um mesmo produto. Em 2006 foi implantado o SUASA, segundo os idealizadores, “com o objetivo de padronizar e harmonizar os procedimentos de inspeção de produtos de origem animal, para garantir a procedência e a segurança alimentar”.
Para quem produz, entretanto, é mais uma sigla que dificulta o entendimento e a prática da produção legal de alimentos. O sistema sanitário brasileiro estabelece as regras para produção de alimentos seguros e as autoridades sanitárias vem promovendo ações visando aumentar a eficiência do processo, no entanto, é necessário ainda reduzir sua complexidade, padronizando procedimentos e reduzindo sistemas que, fundamentalmente, tem por único objetivo a saúde da população. Há ainda muitos desafios para este ano que começou.
Sílvia Panetta Nascimento, Janeiro, 2017
Editoria científica Higiene Alimentar Faculdade de Tecnologia de Itapetininga, SP
Revista Higiene Alimentar – Vol.31 – nº 264/265 – Janeiro/Fevereiro de 2017
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